ACÓRDÃO Nº 170/2019
Processo n.º 645/17
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que recusou aplicar ao caso dos autos o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
O acórdão foi proferido no âmbito de uma ação proposta pelo ora recorrido, contra o Sporting Clube de Portugal, requerendo que o contrato celebrado com o clube fosse qualificado como um contrato de trabalho desportivo com todas as consequências legais, entre as quais ressalta a condenação do clube ao pagamento de uma indemnização por despedimento ilícito. Arguindo a inconstitucionalidade do n.º 1, do artigo 27.º, da Lei n.º 28/98, pugnou o então autor por que esta indemnização fosse calculada segundo o disposto no n.º 2 do artigo 393.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). Em defesa desta posição, invocou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/2009, que julgou inconstitucional «por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do artigo 27,º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, na dimensão em que prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, “não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”».
O tribunal de primeira instância, embora reconhecendo estar em causa um despedimento ilícito promovido pelo empregador, julgou improcedente a pretensão ao ressarcimento segundo o Código do Trabalho, tendo concluído que «seja pela natureza das atividades em causa, seja pela ratio que subjaz aos regimes jurídicos em causa, seja, por fim, pela qualidade dos intervenientes nos contratos, entende o Tribunal que o apontado artigo 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, não padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, daí que se recuse, ao contrário do pretendido pelo autor, a aplicação, in casu, do art. 393.º, n.º 2, do Código do Trabalho.» (fls. 332 a 334-verso).
O TRL revogou, nesta parte, a sentença, tendo recusado aplicar ao caso o n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho. Considerando que a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/2009 tinha «plena aplicação à situação em análise em que o Réu/empregador despediu o recorrente (Autor) praticante desportivo sem justa causa», concluiu o tribunal recorrido «que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por confronto com o que se estabelece no[s] artigos 393º alínea a), 390, n.º 1 e 391, n.º 1 do Código revisto pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, viola o princípio da igualdade, na medida em que prevê um limite máximo para a indemnização a arbitrar ao praticante desportivo cujo contrato cesse antes do termo, por despedimento sem justa causa promovido pela entidade empregadora, limite esse que, no regime geral, corresponde ao mínimo indemnizatório a atribuir ao trabalhador do regime comum que cesse o contrato nas mesmas circunstâncias.» (cf. fls. 545-560).
2. O Ministério Público interpôs recurso deste acórdão, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, «pelo facto de o Tribunal da Relação ter recusado a aplicação conjugada do artº 27º, nº 1 da Lei 28/98, de 26 de Junho, com aplicação subsidiária da alínea b) do artº 393 do CT, que considerou inconstitucional por violação do artº 13º da Constituição da República Portuguesa (princípio da igualdade)» (cf. fl. 584).
3. Notificado para alegar, o recorrente presentou as seguintes conclusões (cf. fls. 651-652):
«III
(Conclusões)
1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto no artigo 280.º da CRP e artigos 70º, nº 1 al. a), 72, nº 1, a) e nº 3, da LOFPTC, do acórdão de fls. 484 a 578 [dos autos de proc.º n.º 914/14.OTTLSB.L1 (Apelações em processo comum e especial (2013), com origem na Instância Central de Lisboa - 1ª secção do trabalho – J7 , em que é A. N… e R. o S…] em virtude de nessa decisão se “ter recusado a aplicação conjugada do artº 27º, nº 1 da Lei 28/98, de 26 de Junho, com aplicação subsidiária da alínea b) do artº 393 do CT, que considerou inconstitucional por violação do artº 13º da Constituição da República Portuguesa (princípio da igualdade)”.
2.ª) No acórdão n.º 199/2009, proc. n.º 910/08, de 28 de abril, do Tribunal Constitucional (2.ª secção), foi decidido, nomeadamente, “a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do artigo 27,º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, na dimensão em que prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, “não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo (…)”,
3.ª) De harmonia com a posição já antes expressa pelo Ministério Público no proc. n.º 910/08, que deu origem ao acórdão n.º 199/2009, cit., sufragamos aqui e agora os fundamentos invocados no dito aresto, em suma: “o duplo desfavorecimento do praticante desportivo profissional, Em primeiro lugar, porque a indemnização a que tem direito está sujeita a um limite máximo; em segundo lugar, porque não beneficia de um limite mínimo. Sob o primeiro aspeto, pode acontecer que danos, concreta e efetivamente sofridos, fiquem por indemnizar, por excederem o teto máximo do quantum indemnizatório; do segundo ponto de vista, não tem garantida uma indemnização mínima, quer haja, quer não haja danos comprovados e, em caso afirmativo, independentemente do seu concreto montante” (n.º 13).
4.ª) Este juízo de inconstitucionalidade respeita a um caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, mas é igualmente válido para reger os casos de despedimento ilícito promovido pelo empregador, como sucede no caso vertente, pois em ambas as situações está sempre em causa uma (mesma) posição debitória da entidade empregadora desportiva, sujeita a regime jurídico unitário no âmbito da Lei n.º 28/98, cit., enquanto responsabilidade indemnizatória, correlativa de uma pretensão ressarcitória emergente do incumprimento de um contrato de trabalho desportivo (arts. 26.º, n.º 1, als. c) e d), e 27.º, n.º 1).
5.ª) Concluímos, assim, subscrevendo a tese da “inconstitucionalidade do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por confronto com o que se estabelece no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho – norma, aliás mantida no artigo 396.º, n.º 4, do Código revisto pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro”, por violação do princípio da igualdade”, de harmonia com o referido precedente constitucional.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, por não concorrer erro de julgamento a censurar, e assim confirmar a decisão impugnada, quanto à decisão da questão de inconstitucionalidade.»
4. Embora notificado para esse efeito, o recorrido não apresentou contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A título prévio, e uma vez que o requerimento de interposição de recurso se refere também ao problema da «aplicação subsidiária da alínea b) do artº 393 do CT», impõe-se delimitar o objeto do presente recurso.
Observa-se, antes de mais, que o tribunal recorrido concluiu que se mostrava prejudicado o conhecimento da questão da aplicação subsidiária da alínea b), do n.º 2, do artigo 393.º do Código do Trabalho (adiante designado CT) ao caso dos autos. Recusada a aplicação do n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 28/98 e considerando que a norma revogada por este artigo não podia ser repristinada por ter idêntico teor, entendeu o TRL, isso sim, que era de aplicar a alínea a) do n.º 2 do artigo 393.º do CT ao cálculo da indemnização devida ao ora recorrido.
Ainda que o recorrente, no requerimento de interposição do recurso em apreço, pretendesse referir-se a esta questão, a apreciação a fazer não poderá deixar de cingir-se à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do tribunal a quo. Com efeito, cabendo ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada, já não lhe compete pronunciar-se sobre o direito infraconstitucional a aplicar ao caso, na eventualidade de ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade.
Assim, e tal como resulta da decisão recorrida, constitui objeto do presente recurso a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, da norma extraída do n.º 1 do artigo 27.º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, segundo a qual a indemnização devida, em caso de despedimento ilícito, não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas, se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
6. O n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, tem o seguinte teor:
«Artigo 27.º
Responsabilidade das partes pela cessação do contrato
1 - Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
(…)»
Embora esta disposição se referisse especialmente às hipóteses de cessação do contrato de trabalho desportivo por despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva, ou por rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo (previstas, respetivamente, nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 26.º), devia ter-se por aplicável também aos casos de despedimento ilícito. Efetivamente, o n.º 2 do mesmo artigo prescrevia que «Quando se trate de extinção promovida pela entidade empregadora, o disposto no número anterior não prejudica o direito do trabalhador à reintegração no clube em caso de despedimento ilícito.»
Esta solução legal encontrava-se em consonância com o regime geral da cessação do contrato individual de trabalho a termo então vigente, constante do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro, nos termos do qual:
«Artigo 52.º
Outras formas de cessação do contrato a termo
1 - Aos contratos de trabalho a termo aplicam-se as disposições gerais relativas à cessação do contrato, com as alterações constantes dos números seguintes.
2 - Sendo a cessação declarada ilícita, a entidade empregadora será condenada:
a) Ao pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até à data da sentença, se aquele termo ocorrer posteriormente;
b) À reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria, caso o termo do contrato ocorra depois da sentença. (…)»
Com a revogação deste diploma pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o CT, o valor correspondente à totalidade das prestações retributivas vincendas «até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente» passaria a ser o valor mínimo da indemnização a prestar ao trabalhador em caso de cessação ilícita do contrato a termo por iniciativa da entidade empregadora, sem prejuízo da possibilidade de reintegração (n.º 2 do artigo 440.º). Este limite mínimo manteve-se após a aprovação do novo CT pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, em que se explicitou que o empregador poderia ser condenado a ressarcir tanto os danos patrimoniais, como os danos não patrimoniais (cf. a alínea a) do n.º 2 do artigo 393.º do CT, na sua redação atual).
Por último, a Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação (e revogou a Lei n.º 28/98), passou a prever que em caso de cessação prematura do contrato, «a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo» (n.º 1 do artigo 24.º), esclarecendo todavia que «[p]ode ser fixada uma indemnização de valor superior ao que resulta da aplicação do número anterior, sempre que a parte lesada comprove que sofreu danos de montante mais elevado.» (n.º 2, do artigo 24.º).
Foi, assim, definitivamente eliminada a imposição de um limite máximo à indemnização a pagar pela parte responsável pela cessação prematura do contrato, em consonância com o regime laboral comum – bem como, com a posição adotada por este Tribunal no Acórdão n.º 199/2009.
7. Com efeito, neste aresto, o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade de norma extraída do mesmo número do artigo 27.º da Lei n.º 28/98, num processo em que estava em causa uma situação de cessação do contrato por iniciativa do praticante desportivo, mas com justa causa. Embora, nessa sede, tenha assinalado e ponderado as especificidades do contrato de trabalho desportivo, considerou o Tribunal:
«13. (…) Ora, vimos já que, por razões desportivas, se encontra objetivamente justificada a temporalidade do vínculo, não gozando o praticante das garantias de estabilidade concedidas aos outros trabalhadores. Daí, não só a obrigatoriedade da celebração do contrato a termo, como também o regime de caducidade pura a que este fica sujeito. A contratação a termo, com esta disciplina, é a que melhor se amolda à natureza específica da prestação laboral a que o praticante se obriga, pelo que a solução legal não representa (ou não representa prioritariamente), neste âmbito, o atendimento preferencial dos interesses do empregador – com o correspondente sacrifício dos interesses do trabalhador −, mas antes um ajustamento da disciplina normativa à ontologia própria do desporto profissional.
É outro o contexto de valoração dos contratos a termo submetidos ao regime do Código do Trabalho. Num domínio em que o interesse do trabalhador na continuidade do vínculo é objeto de forte tutela e em que o contrato a tempo indeterminado corresponde a um ideal normativo – só deste modo se justifica, na verdade, o regime restritivo da admissibilidade do contrato a termo, consagrado nos artigos 129.º e seguintes do Código do Trabalho − esta modalidade de contrato representa, em si mesmo, uma situação laboral desfavorável ao trabalhador.
Haverá, porventura, quem, num esforço ingente de identificação de um fundamento para a disparidade de tratamento, encontre aqui uma razão bastante para o regime de indemnização favorável do artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho, e favorável na medida em que possibilita o ressarcimento de danos não sofridos e até, eventualmente, a colocação do trabalhador em melhor situação patrimonial do que a que gozaria se o contrato fosse cumprido até ao termo (no caso da obtenção de nova colocação, nesse período, em condições salariais iguais ou melhores do que as vigentes no contrato objeto de cessação antecipada). Se o trabalhador não dispõe de qualquer garantia de perduração do vínculo para além do termo (não obstante a hipótese de conversão em contrato a tempo indeterminado) – o que corresponde a uma desproteção excecional da garantia de segurança de emprego, excecional em face do modelo normativo constitucional e legal − é-lhe reconhecido, em compensação, o direito a todas as prestações devidas até esse termo, sem sujeição às incertezas de satisfação dos ónus probatórios da existência e do montante de danos. Em caso de cessação antecipada do contrato, provocada por incumprimento da contraparte, o trabalhador tem direito a receber, por via indemnizatória, tudo o que receberia se o contrato fosse integralmente cumprido.
Deste ponto de vista, se quisermos ver neste regime indemnizatório uma compensação para a excecional retirada da tutela da segurança no emprego, dir-se-á que não se vislumbra razão para o estender ao contrato de trabalho desportivo, onde, justificadamente, esse vetor não encontra guarida.
Mas, a proceder, o argumento só justificaria que o trabalhador desportivo não beneficie de um limite mínimo de indemnização, contrariamente ao estatuído para o regime jurídico-laboral comum. Deixa sempre por explicar porque é que, a mais disso, o seu crédito indemnizatório não pode exceder o montante das retribuições vincendas, o que pode implicar que fiquem por indemnizar danos por ele efetivamente suportados (designadamente, mas não só, danos não patrimoniais). E a necessidade de uma fundamentação cabal impõe-se tanto mais quanto é certo que o princípio da reparação integral dos danos é de direito comum – de que o contrato de trabalho desportivo está seguramente mais próximo do que o contrato laboral regido pelo Código do Trabalho.
Como objeto único de regulação, no caso do artigo 443,º, n.º 3, do Código do Trabalho, ou como segmento normativo, no caso do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, os dois preceitos estatuem para uma mesma situação – a de cessação do contrato antes do termo, por iniciativa unilateral do trabalhador, com fundamento em justa causa −, fixando regras de cálculo indemnizatório para o ressarcimento dos danos por ele sofridos.
Ora, quanto a este ponto específico, não se descortina qualquer razão desportiva que possa fundamentar um regime “especial”, menos tutelador do praticante desportivo, ao estabelecer um limite máximo para a indemnização em que incorre o empregador, correspondente a um limite mínimo de reparação a que o trabalhador, pelo regime geral, tem direito. O praticante desportivo não é, quanto a este aspeto, um trabalhador (diríamos, mesmo, um contraente) diferente dos outros. A indemnização a arbitrar ao trabalhador, em consequência dessa cessação, comunga das mesmas razões e finalidades, quer o trabalhador em causa seja um praticante desportivo, quer seja um trabalhador sujeito ao regime geral do contrato de trabalho a termo. As razões, ligadas à competição desportiva, que, no que diz respeito a outras aspetos da disciplina legal, fundamentam suficientemente soluções de regime distintas das consagradas em geral, não constituem, por padrões de razoabilidade, um ponto de vista diferenciador quanto à aplicação do princípio da reparação integral dos danos.
Logo, se, no exercício da sua liberdade conformativa, o legislador entendeu que, ao contratado a termo, não deve ser coartada a possibilidade de reparação integral dos danos comprovadamente sofridos, sem qualquer limite máximo – não se desviando, aliás, sob este aspeto, do regime geral dos contratos —, não há fundamento, pelo parâmetro da igualdade, para excluir desse regime os trabalhadores desportivos, sujeitos, imperativamente, a esse tipo de contrato.
O artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 não se limita a omitir a garantia de limite mínimo que o regime do artigo 443,º, n.º 3, do Código do trabalho concede: fixa um teto máximo para o montante da indemnização, coincidente com esse mínimo da indemnização, de que beneficiam os trabalhadores do regime comum, em situação idêntica. Pode dizer-se que o tratamento dispensado ao trabalhador desportivo é, sob este aspeto, não apenas distinto, mas verdadeiramente o oposto daquele concedido ao trabalhador de regime comum. O que espelha um grau de diferenciação, uma disparidade de tratamento de tal magnitude que ultrapassa, sem dúvida, a medida da diferença singularizadora da prestação de trabalho desportivo – para quem admita que alguma diferença aqui existe.
Na verdade, não só está condenada ao malogro qualquer tentativa de identificação de razões próprias deste tipo de contrato que justifiquem esse limite máximo, como facilmente se podem alinhar razões contrárias, particularmente atuantes, neste âmbito contratual. A calendarização da competição desportiva, por épocas temporalmente delimitadas, com a concomitante fixação de períodos de inscrição, de acordo com os regulamentos aplicáveis, torna bem presente o risco de inatividade, mais ou menos alongada, mesmo para praticantes com “procura” alternativa. Por outro lado, a curta perduração da capacidade natural de exercício da profissão, a própria dependência da aptidão para um desempenho funcional valioso de uma prática regular, em competição, tornam as consequências danosas da concretização desse risco especialmente graves para o trabalhador desportivo “forçado” a rescindir, pela conduta da contraparte. E – convém lembrá-lo — está longe de poder generalizar-se à maioria dos praticantes a imagem dos atletas mais famosos e de maior nível, como alvos quase permanentes da “cobiça” dos outros clubes…
14. Pelo que acabou de ser dito, torna-se claro que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, na dimensão aqui em apreciação, não passa o teste do princípio da igualdade.
Ainda que se entenda que o modo de cálculo da indemnização devida pela rescisão não se inclui na matéria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e que, por isso, o legislador ordinário dispõe aqui de liberdade de conformação (cfr. Acórdão n.º 242/2001), sempre se terá de concluir que, nas regras de cálculo, o legislador está obrigado a assegurar, ao praticante desportivo, o mesmo grau de proteção que dispensa ao trabalhador comum, ou, pelo menos, uma proteção que não configure um tratamento desigual em medida significativamente excedente da medida da diferença.
Como afirma REIS NOVAIS, “a fundamentação exigida a qualquer diferenciação tem, no mínimo, de passar o teste da proibição do excesso” (Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, 114). Ora sem dúvida que uma tão cavada diferenciação de regimes de indemnização não encontra o mínimo de correspondência, por um critério razoável e objetivo, em diferentes situações e condições de prestação laboral que a justifique.
Em suma, conclui-se que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por confronto com o que se estabelece no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho – norma, aliás mantida no artigo 396.º, n.º 4, do Código revisto pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro -, viola o princípio da igualdade, na medida em que prevê um limite máximo para a indemnização a arbitrar ao praticante desportivo que cesse o contrato antes do termo, com justa causa, limite esse que, no regime geral, corresponde ao mínimo indemnizatório a atribuir ao trabalhador do regime comum que cesse o contrato nas mesmas circunstâncias.»
8. É certo que, no caso dos autos, está em causa um despedimento qualificado como ilícito – e não um caso de rescisão por justa causa, por iniciativa do praticante desportivo, como o visado pelo citado aresto; no entanto, não se vê que tal constitua fundamento para divergir da posição adotada por este Tribunal. Pelo contrário, não se mostra menos digna de tutela, à luz do princípio da igualdade, a hipótese da cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador sem justa causa: em ambos os casos, é inteiramente imputável à entidade empregadora a responsabilidade pela cessação do contrato de trabalho desportivo. Tal como esclarece João Leal Amado, «Nos termos do art. 27.º/1 da Lei n.º 28/98, a rescisão com justa causa por iniciativa do praticante fará incorrer o empregador em responsabilidade civil, sendo este quem dá causa à cessação do contrato. Estabelece-se, nesta matéria, um regime análogo ao do despedimento sem justa causa promovido pela entidade empregadora, precisamente porque, em muitos casos, a demissão analisa-se num autêntico “despedimento indireto” (isto é, numa demissão provocada pela entidade empregadora, por um comportamento patronal censurável, violador das suas obrigações e/ou dos direitos do trabalhador).» (v. Vinculação versus Liberdade – O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 261).
Tanto a hipótese de cessação do contrato de trabalho desportivo por iniciativa do trabalhador com justa causa, como a hipótese de despedimento ilícito, se encontravam abrangidas, aliás, pelo n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 28/98. E relativamente a ambas se tornou possível verificar, a partir da aprovação do CT de 2003, a diferenciação que foi o principal objeto de censura do Acórdão n.º 199/2009. Ademais, esta diferenciação só viria a ser acentuada pela evolução subsequente, seja do direito laboral comum, seja do regime de cessação do contrato de trabalho desportivo, a que se aludiu supra – pelo que as alterações legislativas posteriormente registadas também não suscitam uma reponderação dos argumentos que sustentaram a posição deste Tribunal.
9. É, portanto, plenamente transponível para o caso dos autos a fundamentação do Acórdão n.º 199/2009, a que se adere, pelo que resta concluir que não merece censura a decisão recorrida.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma extraída do n.º 1 do artigo 27.º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, segundo a qual a indemnização devida ao praticante desportivo, em caso de despedimento ilícito, não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo; e
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 14 de março de 2019 - Lino Rodrigues Ribeiro - Gonçalo Almeida Ribeiro - Maria José Rangel de Mesquita - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers