ACÓRDÃO Nº 386/2015
Proc. n.º 729/15 (44/PP)
3ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
.
Acordam, na 3ª
Secção, do Tribunal Constitucional
I
– Relatório
1.
Nos presentes autos, o Partido Portugal Pró Vida (PPV), representado por Tânia
Avilez, membro da Direção Política Nacional, em 17 de julho de 2015, veio
solicitar «a alteração da denominação do partido e da sua sigla» para,
respetivamente, «Cidadania e Democracia Cristã» e «PPV/CDC». O pedido vem
acompanhado de cópia certificada da Ata Dezasseis da reunião da Convenção
Nacional do PPV, realizada na sessão extraordinária de 11 de julho de 2015.
2.
Devidamente notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no
sentido de que, da análise da ata junta aos autos, resultava que o pedido se
devia entender como um pedido de anotação ao registo existente no Tribunal, não
só da denominação e sigla do Partido, como ainda de várias alterações
estatutárias (os artigos 2.º a 4.º, 16.º, 18.º-A, 20.º a 23.º e 41.º-A a 43.º e
o preâmbulo dos Estatutos). Mais referiu não se opor ao deferimento da
inscrição das alterações estatutárias, bem como da alteração da denominação e
sigla do partido requeridas.
Cumpre,
então, apreciar e decidir.
II
– Fundamentação
3.
O presente pedido configura um pedido de alteração da denominação e da sigla do
Partido Portugal Pró Vida (PPV), e da sua consequente inscrição no registo
próprio do Tribunal. Ora, na competência do Tribunal Constitucional cabe,
segundo o plasmado nos artigos 51.º, n.º 3 da Constituição da República
Portuguesa e 12.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto,
com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio (Lei
dos Partidos Políticos), e nos artigos 9.º, alínea b) e 103.º, n.º 2, alínea a)
da Lei n.º 28/82, a fiscalização das denominações e das siglas dos partidos
políticos.
Para
além do mais, resulta da ata junta aos autos que o órgão partidário deliberou,
igualmente, proceder à alteração de diversas disposições estatutárias, para
além da respeitante à denominação e à sigla (assim, os artigos 2.º a 4.º, 16.º,
18.º-A, 20.º a 23.º e 41.º-A a 43.º) e ao preâmbulo dos Estatutos. Nestes
termos, o pedido apresentado deve entender-se também, e como refere o
Ministério Público, como um pedido de anotação ao registo do partido, existente
no Tribunal, das alterações estatutárias identificadas (art.
16º, n.º 3 da Lei dos Partidos Políticos).
4.
Importa começar por analisar
as requeridas alterações da denominação do partido e da sua sigla. De acordo
com o artigo 12.º da Lei dos Partidos Políticos, cada partido tem uma
denominação, símbolo e sigla que devem preencher os seguintes requisitos: (i)
não ser nenhum destes elementos idêntico ou semelhante ao de outro partido já
constituído; (ii) quanto à denominação, não se basear
no nome de uma pessoa ou conter expressões diretamente relacionadas com
qualquer religião ou com qualquer instituição nacional; (iii)
quanto ao símbolo, não poder confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética
com símbolos e emblemas nacionais nem com imagens e símbolos religiosos. No
exercício desta sua competência de apreciação da legalidade de denominações,
siglas e símbolos de partidos, o Tribunal Constitucional tem desenvolvido uma
jurisprudência segundo a qual cada um destes elementos, entendidos de acordo
com o significado que têm na linguagem comum, deve ser escrutinado
separadamente, a fim de que se conclua quanto à respetiva conformidade ou desconformidade
face aos requisitos legais (assim, inter alia, o
Acórdão n.º 13/2011).
5.
Pretende-se alterar a denominação do Partido Portugal Pró Vida para «Cidadania
e Democracia Cristã». Tal denominação não é idêntica ou semelhante à de outro
partido já constituído e não se baseia no nome de uma pessoa. Por outro lado,
não se pode considerar conter «expressões diretamente relacionadas com qualquer
religião». De facto, apesar do uso do vocábulo «cristã», o mesmo não pode ser
dissociado da expressão «democracia cristã», a qual, globalmente considerada
exprime, não a referência a uma concreta religião, mas um pensamento e uma
ideologia relativa à aplicação de certos princípios e valores na vida política
nacional e internacional. (sobre a democracia cristã como ideologia política,
v., inter alia, Diogo Freitas do Amaral, Ciência
Política, Lisboa, 1991, vol. II, p. 241). Note-se, de resto, que, quer o art. 12.º, n.º 3 da Lei dos Partidos Políticos, quer o n.º
3 do art. 51.º da Constituição proíbem, não o uso de
vocábulos, mas sim de expressões diretamente relacionadas com quaisquer
religiões ou igrejas. Constituindo a expressão «democracia cristã» uma
expressão referente a uma determinada ideologia política, nada impede que a
mesma conste da denominação de um partido político.
6.
No que concerne à também requerida alteração da sigla para «PPV/CDC»,
verifica-se que a mesma não é idêntica ou semelhante à de qualquer outro
partido político constituído. De facto, poder-se-ia colocar a questão da
similitude com a sigla do «CDS – Partido Popular», que consiste em «CDS-PP». No
entanto, e como refere o Ministério Público, as siglas dos dois Partidos em
confronto apresentam os segmentos similares em ordem invertida, o que diminui
consideravelmente uma eventual similitude das mesmas, não justificando, por si
só, uma decisão de indeferimento do pedido.
7.
Importa agora analisar das restantes alterações estatutárias comunicadas. Em
primeiro lugar, importa referir que as alterações estatutárias foram aprovadas
pelo órgão competente e seguiram os procedimentos estatutariamente previstos.
Nos termos da alínea c), do artigo 18.º, dos Estatutos do Partido, compete à
Convenção deliberar sobre a alteração de Estatutos. Por seu turno, nos termos
do art. 21.º, as deliberações da Convenção são
tomadas por maioria absoluta dos votos dos membros presentes. Por fim,
prescreve o art. 19.º, n.º 3, que a Convenção reúne
em sessão extraordinária «quando convocada pela Mesa da Convenção, ou a pedido
da Direção ou da Comissão de Jurisdição ou ainda, a requerimento de, pelo
menos, 10% dos membros no pleno gozo dos seus direitos com indicação da ordem
de trabalhos». Ora, conforme resulta da documentação, a deliberação de
alteração dos Estatutos foi tomada pela Convenção – portanto, pelo órgão
competente -, e por maioria absoluta dos votos dos membros presentes (seis
votos a favor, dos nove membros presentes). Por fim, a Convenção reuniu em
sessão extraordinária, convocada pela Direção Política Nacional, mediante
convocatória que elucidava adequadamente os participantes sobre a programada
discussão e votação de proposta de alteração de estatutos, «incluindo a questão
do nome e posicionamento do partido».
Assim,
do ponto de vista formal e procedimental, as
alterações estatutárias, agora comunicadas, não merecem qualquer reparo.
8.
Ao Tribunal Constitucional cabe, para além de uma fiscalização formal das
alterações estatutárias decididas pelos partidos políticos, proceder também a
uma fiscalização substantiva da matéria estatutária, nomeadamente nas dimensões
de organização e gestão internas dos partidos, atento o disposto nos artigos
51.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, 5.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º,
n.º 3, da Lei dos Partidos Políticos. Neste sentido, afirmou o Acórdão n.º
369/09 o seguinte:
“(...)
Mas
o controlo de legalidade deve estender-se à dimensão organizatória
da estrutura e da atividade partidárias, tal como ela se espelha nos Estatutos.
Na
verdade, os partidos são “associações de Direito Constitucional” (na expressão
de JORGE MIRANDA in JORGE MIRANDA/ RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa
Anotada, I, Coimbra, 2005, 491) ou “associações de natureza privada de
interesse constitucional” (nas palavras do Acórdão n.º 304/2003).
Nessa
qualidade específica, as organizações partidárias regem-se pelo princípio da
liberdade de associação (artigo 46.º, reafirmado no n.º 1 do artigo 51.º, ambos
da Constituição). O ordenamento jurídico-constitucional não exerce qualquer
controlo sobre a ideologia ou o programa do partido, com exceção do disposto no
artigo 46.º, n.º 4 (cfr. GOMES CANOTILHO/ VITAL
MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., Coimbra,
2007, 682).
Mas,
quanto à sua organização interna, a Constituição passou a exigir (depois da
revisão constitucional de 1997) a observância, além do mais, de um princípio de
democraticidade interna. Assim, de acordo com o artigo 51.º, n.º 5, da
Constituição, e o artigo 5.º da Lei dos Partidos Políticos, os partidos
políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da
gestão democráticas e da participação de todos os seus membros.
Estes
são verdadeiros princípios, ou seja, normas abertas, suscetíveis de variáveis
conformações concretizadoras, respeitadoras, em termos gradativamente
caracterizáveis (em maior ou menor medida), dos seus ditames. A Constituição
não impõe uma “unicidade organizatório--partidária”,
mas apenas um “conteúdo mínimo à organização democrática interno-partidária” (cfr. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, ob. cit., 686 e s.).
Assim
é em consequência do papel que os partidos desempenham no funcionamento do
regime democrático. A ideia fundamental é a de que a democracia de partidos
pressupõe a democracia nos partidos (BLANCO VALDÉS, citado por CARLA AMADO
GOMES, “Quem tem medo do Tribunal Constitucional? A propósito dos artigos
103.º-C, 103.º-D e 103.º-E da LOTC”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José
Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, 585 s., 587)”.
8.1.
Foram várias as normas dos Estatutos que sofreram alteração, para além do
próprio Preâmbulo. Assim, foram alterados os artigos 3.º e 4.º, integrados no
Capítulo I, dedicado aos Princípios, o artigo 16.º, integrado no Capítulo III,
epigrafado “Dos Órgãos”, na parte respeitante à Convenção Nacional. Foram ainda
modificados e renumerados os artigos 18.º-A, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º, que
passaram a constituir os artigos 19.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º, igualmente
respeitantes aos órgãos partidários, nomeadamente, à Convenção Nacional e à
Direção Política Nacional. Também sofreram alterações e renumeração os artigos
41.º-A, 41.º-B e 42.º, respeitantes, respetivamente, à responsabilidade
disciplinar, ao regulamento eleitoral interno e a disposições diversas, que
passaram a constituir os artigos 43.º, 44.º e 45.º. Por fim, foi renumerado, sem
alterações, o artigo 43.º, que passou a artigo 46.º.
8.2.
As alterações registadas prendem-se, fundamentalmente, com a redefinição dos
princípios que norteiam a atuação do partido, com a mudança da chamada sede
eletrónica do partido, com a modificação da competência e regras de
funcionamento da Convenção Nacional e da Direção Política Nacional, com o
estatuto disciplinar dos membros do partido e, finalmente, com o procedimento
eleitoral interno.
Ora,
observando as alterações estatutárias decididas na reunião da Convenção
Nacional, realizada em 11 de julho de 2015, não se vislumbram quaisquer
modificações normativas violadoras da Constituição da República Portuguesa ou
da Lei dos Partidos Políticos, que impeçam a inscrição da anotação das
alterações estatutárias no registo próprio deste Tribunal.
Face
ao exposto, é de deferir o pedido de inscrição no registo próprio existente no
Tribunal Constitucional, das alterações estatutárias requeridas pelo Partido
Portugal Pró Vida (PPV), futuramente Partido Cidadania e Democracia Cristã
(PPV/CDC).
III
– Decisão
Pelos
fundamentos expostos, decide-se deferir a anotação das alterações referentes à
denominação e sigla do Partido Portugal Pró Vida (PPV) para «Partido Cidadania
e Democracia Cristã (PPV/CDC)», bem como às demais normas dos Estatutos.
Sem
custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa,
12 de agosto de 2015 - Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes
Cadilha - Maria José Rangel de Mesquita - Catarina Sarmento e
Castro (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Maria Lúcia
Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
Fiquei vencida na parte da decisão relativa à anotação, no registo dos
partidos políticos, da alteração referente à denominação (e, consequentemente,
à sigla, porque a ela reportada) do Partido Portugal Pró Vida (PPV) para
«Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC)», considerando tal alteração
violadora do disposto no n.º 3 do artigo 51.º da Constituição da República
Portuguesa.
O mencionado artigo estabelece o seguinte:
«Os partidos políticos não podem, sem prejuízo da filosofia ou ideologia
inspiradora do seu programa, usar denominação que contenha expressões
diretamente relacionadas com quaisquer religiões ou igrejas, bem como emblemas
confundíveis com símbolos nacionais ou religiosos».
Ora, com a alteração em causa, o partido propõe-se utilizar o vocábulo
«cristã», diretamente associado a uma religião. Sustenta-se, contudo, no
presente Acórdão, que o vocábulo não pode ser dissociado da expressão em que se
insere - «democracia cristã» - que, «globalmente considerada exprime, não a
referência a uma concreta religião, mas a um pensamento e uma ideologia
relativa à aplicação de certos princípios e valores na vida política nacional e
internacional».
O Tribunal já teve ocasião de se pronunciar, no Acórdão n.º 107/95,
sobre a utilização de um tal vocábulo, fosse individualmente considerado, fosse
enquanto parte de um «eixo sintagmático» (no caso «social cristão»), havendo
decidido que em ambos os casos a sua utilização estaria constitucionalmente
interdita.
A Constituição da República Portuguesa quis – e expressou-o no
mencionado preceito - que a designação dos partidos fosse religiosamente
neutra, por forma a assegurar uma escolha esclarecida por parte dos eleitores,
evitando a confusão entre um partido e uma religião.
Diz-se no Acórdão n.º 107/95: «pretende-se, com o preceito
constitucional, nomeadamente, evitar a lesão da boa-fé dos cidadãos e assegurar
condições de transparência na participação política destes, de modo a afastar
juízos de confundibilidade com religiões ou igrejas».
Naturalmente, não se ignora que a expressão «democracia cristã», como
relembra o presente Acórdão, se refere a uma corrente de pensamento político.
Mas, ainda assim, consideramos que não é expressão constitucionalmente neutra
para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º.
Defendemos, até, que a Constituição não proíbe, como se vê na
salvaguarda que faz no n.º 3 do artigo 51.º, que um partido se pudesse
constituir em torno de uma linha ideológica de pensamento que se identificasse
com uma corrente de pensamento de influência cristã. Ao ressalvar que a
«filosofia ou ideologia inspiradora do seu programa possa relacionar-se com
religiões ou igrejas», a Constituição não fecha a porta a que partidos
políticos possam orientar os seus programas e princípios por correntes de
pensamento de base cristã. Ou seja, a Constituição admite que um partido se
inspire numa religião, não vedando as escolhas esclarecidas dos eleitores
relativamente a correntes de pensamento que pudessem ter base religiosa.
O que lhes recusa, a meu ver de modo claro, é uma etiqueta que possa
transportar confundibilidade para a formação da vontade popular, pondo em causa
a desejada transparência da participação política.
A esse propósito Jorge Miranda e Rui Medeiros referem: «uma coisa é a
plena liberdade de definição dos princípios e dos programas, outra coisa a
utilização de denominações suscetíveis de condicionar, pelo seu impacto, a
liberdade de escolha dos cidadãos» (Constituição
da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 1015).
Do mesmo modo, também não se desconhece que existem, noutros Estados,
partidos cuja denominação faz uso de expressão idêntica. Acontece, todavia, que
a nossa Constituição não o permite, mesmo que hoje tal expressão venha
associada a uma corrente de pensamento político. Do ponto de vista da
Constituição é preciso afastar a confundibilidade da denominação potenciada
pela inclusão de vocábulos religiosamente conotados. E é com base nesta
Constituição que decido.
Ora, relembre-se, foi claro o Acórdão n.º 107/95 na leitura que fez
acerca da utilização do vocábulo «cristã»: «seja individualmente considerado,
seja formando um eixo sintagmático com «social», denota utilização
constitucionalmente interdita». Foi a posição que defendemos.
Deixamos uma última nota para esclarecer que também se está ciente de
que na história recente dos partidos em Portugal existiu um Partido denominado
«Partido da Democracia Cristã». Convém, contudo, não olvidar que o respetivo
registo teve lugar a 19 de fevereiro de 1975, momento anterior à aprovação da
Constituição de 1976, e do n.º 6 do artigo 5.º da Lei n.º 595/74, aditado pelo
Decreto-Lei n.º 126/75, de 13 de março (proibindo que a denominação do partido possa
«consistir no nome de uma pessoa ou de uma igreja»). Em nosso entender, da
regulamentação posterior não chegou a resultar o dever se fazer refletir a
aplicação do disposto no 51.º, n.º 3, aos partidos constituídos antes da
entrada em vigor da Constituição.
Catarina
Sarmento e castro
Anexo
Denominação: Partido Cidadania e Democracia Cristã
Sigla: PPV/CDC
Lisboa,
12 de agosto de 2015