[ TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 862/2013 ]
ACÓRDÃO Nº 862/2013
Processo
n.º 1260/13
Plenário
Relator:
Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Presidente da
República, por requerimento entrado no Tribunal Constitucional em 23 de novembro
de 2013, vem, ao abrigo, do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da
Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, submeter ao Tribunal Constitucional, em
processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a apreciação das normas
constantes das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto da
Assembleia da República n.º 187/XII, que foi recebido na Presidência da
República no dia 15 de novembro de 2013 para ser promulgado como lei.
Fundamenta o seu pedido, em síntese, na seguinte ordem de
considerações:
- A norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto
sindicado, sem prejuízo das exceções previstas no n.º 2 do mesmo diploma,
determina uma redução em 10% nas pensões de aposentação, reforma e invalidez de
valor ilíquido mensal superior a 600, fixadas pelas fórmulas de cálculo
sucessivamente em vigor do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei n.º
498/72, de 9 de dezembro, bem como as fixadas noutras disposições estatutárias,
legais e convencionais, afetando esta medida as pensões atribuídas no período
anterior à entrada em vigor do regime de convergência aprovado pela Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
- Identicamente, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º
do mesmo decreto, sem prejuízo das exceções previstas no n.º 2 do artigo
mencionado, impõe uma redução em 10% no valor global ilíquido das pensões de
sobrevivência cujo valor ilíquido mensal seja superior a 600 euros e que tenham
sido fixadas de acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março.
- Embora no plano contabilístico as normas descritas possam
ser entendidas como medidas de redução de despesa, já sob um ponto de vista substancial,
a redução coativa, unilateral e definitiva de pensões, feita através da
fixação de um percentual sobre o respetivo valor ilíquido, deve ser qualificada
como um imposto, à luz
dos atributos constitutivos desta mesma figura na doutrina e jurisprudência
portuguesas, dado que implica um esforço acrescido exigido aos pensionistas
para, mediante uma supressão parcial do seu rendimento mensal, realizarem fins
públicos, financiando o Estado.
- Mesmo que se qualifique a medida impugnada como uma figura tributária
especial reconduzível à parafiscalidade, o facto é que setores relevantes da
doutrina entendem que esse tributo deve estar sujeito às mesmas regras
constitucionais dos impostos, pois um entendimento diverso poderia legitimar
condutas furtivas do legislador das quais possa resultar a criação de tributos
sobre o rendimento, em tudo idênticos aos impostos, mas desviados do
enquadramento constitucional destes últimos e do princípio da legalidade
fiscal.
- Na medida em que as normas que reduzem em 10% o valor das
pensões referidas supra sejam materialmente qualificadas como atos de criação
de um imposto ou de uma figura parafiscal de natureza análoga, elas tributariam
o rendimento pessoal de uma categoria específica de pessoas em eventual
desconformidade com disposições constitucionais que regem o regime dos impostos
sobre o rendimento, como seria o caso:
a) Do princípio do caráter único ou unitário do imposto sobre o rendimento (n.º
1 do artigo 104.º da CRP), na medida em que se fragmentaria a tributação do
rendimento oriundo da pensão, dado que a redução de 10% viria a ser cumulada
com a taxa do IRS que incidiria sobre esse e sobre outros rendimentos do
titular;
b) Do princípio do caráter pessoal do imposto sobre o
rendimento (n.º 1 do artigo 104.º da CRP), já que se criaria um tributo que desconsideraria a capacidade
contributiva do sujeito passivo, ou seja, as necessidades e os rendimentos
do próprio e do seu agregado familiar, não prevendo a realização de deduções à
coleta;
c) Do princípio da progressividade do imposto sobre o
rendimento (n.º 1 do artigo 104.º da CRP), mediante a fixação de um corte
de teor equivalente a uma taxa única de 10% sobre o valor ilíquido do
rendimento oriundo da pensão, não se garantindo o imperativo constitucional de
redução de desigualdades que inere a essa progressividade;
d) Do princípio da natureza universal do imposto sobre o
rendimento, através da criação de um imposto especial dirigido, em
cumulação com o IRS, a uma categoria específica de pessoas, qualificadas como
sujeitos passivos em razão da sua condição de pensionista da Caixa Geral de Aposentações
I.P. (CGA), o que envolveria uma discriminação potencialmente arbitrária,
porque não cabalmente justificada, já que se trataria de forma diferente e mais
onerosa esses pensionistas em relação aos do regime geral da segurança social e
em relação aos não pensionistas, titulares de idênticos rendimentos,
vulnerando-se o princípio da igualdade (n.º 2 do artigo 13.º da CRP).
- Na medida em que não se qualifique de imposto o ato
de redução em 10% das pensões de aposentação, reforma, invalidez e
sobrevivência de valor superior a 600 euros ilíquidos mensais, considera-se,
ainda assim, que as normas em epígrafe, ao determinarem com efeitos futuros
essa redução, afetam desfavoravelmente relações jurídicas, direitos e factos
consolidados que foram constituídos no passado, ao abrigo da legislação vigente
ao tempo em que os beneficiários das pensões da CGA realizaram toda a sua
carreira contributiva.
- Normas que reduzam com efeitos futuros o valor de pensões em
pagamento, que resulte da aplicação de fórmulas de cálculo fixadas no passado
por lei válida e vigente ao tempo em que foi definido o direito à pensão,
assumem a natureza de legislação portadora de retroatividade inautêntica, pois
afetam retrospetivamente as expectativas de continuidade de fruição de um
direito social já constituído (a aquisição concreta do direito à segurança
social, constante do artigo 63.º da CRP), colocando-se a necessidade de as
confrontar com o princípio da tutela da confiança.
- A liberdade de conformação do legislador não deixa de se
encontrar sujeita a limites fixados por princípios estruturantes do sistema de
direitos fundamentais, como é o caso do princípio da proteção da confiança,
deduzido do artigo 2.º da CRP, o qual censura normas dotadas de eficácia
retroativa, autêntica e inautêntica, que, sacrificando interesses legalmente
protegidos e direitos fundamentais, como o direito à segurança social, não
sejam previsíveis e sejam portadoras de uma oneração excessiva que frustre
legítimas expectativas dos seus titulares na continuidade dos regimes onde se
sustentou a constituição desses direitos e interesses.
- Nas normas questionadas, estão em causa direitos constituídos, tendo
o Estado criado, junto dos pensionistas abrangidos, expectativas da
continuidade do direito ao pagamento de pensões fixado na base de critérios
determinados (nas alíneas a) e c), através de lei vigente desde o ano de 1972
e, nas alíneas b) e d), através do regime de cálculo das pensões introduzido
pela reforma de 2005).
- Tais expectativas devem ser consideradas legítimas, já que,
nas alíneas a) e c) do artigo 7.º, o direito foi constituído no passado de
forma plena e, nas alíneas b) e d), os pensionistas confiaram na continuidade
das regras que definiram o cálculo das suas pensões, tendo, em ambas as
situações, confiado na manutenção das mesmas e, por isso, feito planos de vida
que já não podem ser alterados.
- Perante os critérios legais, os trabalhadores puderam,
fundados em boas razões radicadas na preparação previdente do respetivo futuro
e do dos seus cônjuges, fazer os seus cálculos, ponderar o tempo de serviço e
as condições detidas para a reforma e fazer um juízo sobre o seu futuro;
- Os trabalhadores com mais anos de serviço e já com os
requisitos para a reforma antecipada puderam tomar decisões sobre qual seria a
melhor opção para obterem a melhor pensão possível no futuro, optando muitos
cidadãos por se reformar antecipadamente, ao considerarem que a penalização sofrida
pela antecipação da idade compensaria o facto de o peso relativo da parcela P1
ser predominante;
- O modo como a reforma legal de 2005 regulou a transição do
regime de convergência, muito em particular ao fixar duas parcelas, uma fixa e
outra dinâmica, levou os funcionários a fazer escolhas definitivas para a sua
vida, mesmo sofrendo penalização, e tanto assim foi que se registou um grande
afluxo às reformas antecipadas.
- Está em causa uma transição de regimes que pretende acelerar
e consumar com efeitos imediatos (solução designada na doutrina por one
shot) a convergência entre dois subsistemas de segurança social,
através de uma afetação desfavorável das pensões dos beneficiários da CGA, a
qual, pelo facto de ter como efeito um encurtamento súbito da projeção futura
da vertente temporal da segurança jurídica desses pensionistas, reclama um
juízo de proporcionalidade, nomeadamente à
luz do critério da necessidade, o qual recai sobre a exigência e a
suficiência do direito que regule essa transição e sobre o nível de onerosidade
do sacrifício.
- A confiança da
pessoa afetada deve ser tida em consideração através da decretação de regulamentações de transição que
eliminem ou suavizem a dureza da mudança do antigo para o novo direito, e,
nomeadamente, quando seja julgada necessária uma redução no quantum
pré-definido da fruição do direito à segurança
social, essa redução deve ser realizada de forma suave, ou seja, através de uma redução
progressiva, que confira aos cidadãos tempo e fatores circunstanciais
que lhes permitam ajustar o seu plano de vida às novas imposições sacrificiais
que determinam uma diminuição de rendimento.
- Suscitando-se, assim, dúvidas de constitucionalidade,
solicita-se ao Tribunal Constitucional que examine, em sede de fiscalização
preventiva de constitucionalidade:
a) A conformidade das normas das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo
7.º do Decreto n.º 187/XII com os princípios da unidade do imposto sobre o
rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade
constantes da norma do n.º 1 do artigo 104.º, da CRP bem como com o princípio
da igualdade, tal como se encontra enunciado no n.º 2 do artigo 13.º da Lei
Fundamental.
b) A conformidade das normas das alíneas a), b), c) e d) do n.º
1 do artigo 7.º do mesmo Decreto com o princípio da protecção da confiança em
associação com o princípio da proporcionalidade, tal como decorre do artigo 2.º
da CRP.
2. Por despacho do
Presidente do Tribunal, datado de 25 de novembro de 2013, foi o pedido admitido
e ordenada a notificação do órgão autor das normas impugnadas. Na mesma data,
foi o processo distribuído e, subsequentemente, concluso ao relator para
elaboração do memorando a que alude o artigo
59.º da LTC.
3. A Assembleia da
República, na pronúncia ao abrigo do artigo 54.º da LTC, remetida ao Tribunal,
em 25 de novembro de 2013, com registo de entrada no dia seguinte, ofereceu o
merecimento dos autos.
4. O Governo,
enquanto autor da Proposta de Lei n.º 171/XII, que esteve na origem do Decreto
n.º 187/XII, apresentou, em 26 de novembro de 2013, um dossier intitulado Elementos de suporte à fundamentação da proposta
de lei e, em 29 de novembro de 2013, uma Nótula da Presidência do Conselho de
Ministros, documentos que foram anexados ao processo por despacho do Relator.
Discutido o memorando
apresentado, cumpre formular a decisão em conformidade com a orientação
definida.
II Fundamentação.
A Normas objeto de fiscalização.
5. As normas questionadas são as alíneas a), b), c) e d) do n.º
1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII, que Estabelece mecanismos de
convergência de proteção social, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 60/2005,
de 29 de dezembro, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de
novembro, à alteração do Decreto-Lei n.º 478/72, de 9 de dezembro, que aprova o
Estatuto da Aposentação, e revogando normas que estabelecem acréscimos de tempo
de serviço para efeitos de aposentação no âmbito da Caixa Geral de
Aposentações.
É o seguinte o teor das normas em causa:
«Artigo 7.º
Norma transitória e
de adaptação
1 - As pensões atribuídas pela CGA, até à data da entrada
em vigor da presente lei, são alteradas, com efeitos a partir de 1 de janeiro
de 2014, nos seguintes termos:
a) As pensões de aposentação, de reforma e de invalidez de valor
mensal ilíquido superior a 600,00, fixadas de acordo com as fórmulas de
cálculo sucessivamente em vigor do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, bem como as fixadas de harmonia com
regimes especiais previstos em estatutos próprios ou noutras disposições legais
ou convencionais, têm o valor ilíquido em 31 de dezembro de 2013 reduzido em
10%;
b) As pensões de aposentação, de reforma e de invalidez de valor
mensal ilíquido superior a 600,00, fixadas com base nas fórmulas de cálculo
sucessivamente em vigor do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro,
alterada pelas Leis n.ºs 52/2007, de 31 de agosto, 11/2008, de 20 de fevereiro,
e 66-B/2012, de 31 de dezembro, têm o valor ilíquido do P1 recalculado por
substituição da remuneração (R), inicialmente considerada, pela percentagem de
80% aplicada à mesma remuneração ilíquida de quota para aposentação e pensão de
sobrevivência;
c) As pensões de sobrevivência de valor global mensal ilíquido
superior a 600,00, fixadas de acordo com o Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, têm o
valor global ilíquido em 31 de dezembro de 2013 reduzido em 10%;
d) As pensões de sobrevivência de valor global mensal ilíquido
superior a 600,00, fixadas simultaneamente de acordo com o Estatuto das
Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março,
e com as regras do regime geral de segurança social, são recalculadas por
aplicação do disposto na alínea b) ao valor ilíquido do P1 da pensão de
aposentação, reforma ou de invalidez que têm por referência».
O requerente suscita duas questões de constitucionalidade, a
saber:
a) A conformidade das normas das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo
7.º do Decreto n.º 187/XII com os princípios da unidade do imposto sobre o
rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade,
constantes da norma do n.º 1 do artigo 104.º da CRP, bem como com o princípio
da igualdade, tal como se encontra enunciado no n.º 2 do artigo 13.º da Lei
Fundamental;
b) A conformidade das normas das alíneas a), b), c) e d) do n.º
1 do artigo 7.º do mesmo Decreto com o princípio da protecção da confiança em
associação com o principio da proporcionalidade, tal como decorre do artigo 2.º
da CRP.
B. Delimitação do
objeto do pedido
6. O requerente
solicita a apreciação da conformidade com a CRP das normas extraíveis das
quatro alíneas do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII.
As alíneas a) e c) preveem uma redução em 10% do valor das
pensões de reforma e de invalidez de valor mensal ilíquido superior a 600,00,
que foram fixadas de acordo com as fórmulas de cálculo sucessivamente em vigor
da CGA (bem como as fixadas de
harmonia com regimes especiais previstos em estatutos próprios ou noutras
disposições legais ou convencionais) e das pensões de sobrevivência fixadas de
acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
E as alíneas b) e d) estabelecem um recálculo do valor
ilíquido da parcela um (P1) das pensões de reforma e de invalidez de valor
mensal ilíquido superior a 600,00, fixadas com base na fórmula de cálculo
sucessivamente em vigor do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro
(alterada pelas Leis n.ºs 52/2007, de 31 de agosto, 11/2008 de 20 de fevereiro,
e 66-B/2012, de 31 de dezembro), e das pensões de sobrevivência fixadas
simultaneamente de acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência e as
regras do regime de segurança social, substituindo em ambos os casos a
remuneração inicialmente considerada pela percentagem de 80% aplicada à mesma
remuneração ilíquida de quota para a aposentação e pensão de sobrevivência.
A diferença entre os dois grupos de normas localiza-se
sobretudo na esfera da respetiva eficácia subjetiva: enquanto as normas das
alíneas a) e c) se aplicam aos pensionistas inscritos até 31 de agosto 1993 que
se aposentaram até 31 de dezembro de 2005, as normas das alíneas b) e d)
aplicam-se aos pensionistas inscritos até 31 de agosto de 1993 que se
aposentaram a partir de 1 de janeiro de 2006.
A separação entre os dois grupos de beneficiários da CGA foi
introduzida pela Lei n.º 60/2005 de 29 de dezembro que, ao estabelecer
mecanismos de convergência de proteção social da função pública com o regime
geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo
de pensões, salvaguardou a aplicação da anterior fórmula de cálculo da pensão
de aposentação ao tempo de serviço prestado até à data da entrada em vigor da
nova fórmula, ou seja, até 31 de dezembro de 2005.
Quanto ao montante de redução, apesar do enunciado das normas
do primeiro grupo se referir a «redução»
e o das do segundo aludir a «recálculo»,
a diferença que se nota é a seguinte: as primeiras as reconhecidas antes de 1
de janeiro de 2006 sofrem uma redução de 10% no valor ilíquido em 31 de
dezembro de 2013; as segundas as constituídas após 1 de janeiro de 2006
sofrem uma redução apenas na primeira parcela (P1) da nova fórmula de cálculo
da pensão, substituindo-se a remuneração mensal relevante inicialmente considerada
por 80% dessa mesma remuneração ilíquida da quota para aposentação e pensão de
sobrevivência.
O requerente confronta o primeiro grupo de normas com as
normas constitucionais que regem o regime de impostos sobre rendimentos o n.º
1 do artigo 104.º e o artigo 13.º da CRP por qualificar tais normas, sob o
ponto de vista material, como um imposto
especial ou uma figura tributária
especial que não se deve furtar ao enquadramento constitucional dos
impostos. Dessa qualificação extrai o vício de inconstitucionalidade das normas
impugnadas por desconformidade com o caráter único ou unitário, pessoal,
progressivo e universal do imposto sobre o rendimento e também do princípio da
igualdade.
Para além dessa inconstitucionalidade, imputa ainda a todas as
normas questionadas a desconformidade com o princípio constitucional da
proteção da confiança, numa forma articulada que autonomiza o primeiro grupo
as alíneas a) e c) do segundo grupo de normas as alíneas b) e d) embora
no pedido de inconstitucionalidade se prescinda dessa distinção.
Sendo a norma parâmetro a mesma o princípio da proteção da
confiança em associação com o princípio da proporcionalidade não há qualquer
interesse em escrutinar separadamente as normas em apreciação, até porque a linha
argumentativa exposta no requerimento para todas elas é substancialmente
idêntica. Assim, refere expressamente o requerente, quando no artigo n.º 39.º
do requerimento remete a fundamentação da inconstitucionalidade das normas das
alíneas b) e d) para a argumentação exposta a propósito das alíneas a) e c):
«na medida em que o recálculo fixado pelas normas questionadas pode, numa
pluralidade de casos, equivaler à redução significativa da pensão em pagamento
justifica-se que aqui se reproduza, com adaptações, os argumentos enunciados nos nºs 19 a 28 deste requerimento, que
questionaram o sacrifício imposto com eficácia retrospetiva a um direito social
à luz do princípio da proporcionalidade».
É certo que, na ponderação de expectativas dos pensionistas, pode
haver diferenças no grau de afetação da confiança na manutenção de um
determinado regime, até porque a mudança da fórmula de cálculo das pensões, com
subsistência parcial da anterior, não deixa de ser um elemento a considerar na
avaliação do peso dessas expectativas. Todavia, as diferenças existentes
entre os dois grupos de normas, quer quanto ao âmbito de aplicação quer quanto
ao conteúdo, incluindo as diferentes modalidades de pensão, o grau de
retroatividade e a intensidade da afetação de expectativas legítimas, mesmo que
impliquem dimensões valorativas distintas, podem ser objeto de apreciação
conjunta na aferição do parâmetro constitucional da proteção da confiança.
Deste modo, conhecer-se-á em primeiro lugar da conformidade
das normas das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII
com os princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade
contributiva, da progressividade e da universalidade, constantes da norma do n.º
1 do artigo 104.º da CRP, bem como com o princípio da igualdade enunciado no n.º
2 do artigo 13.º da Lei Fundamental; procedendo-se de seguida à apreciação da
conformidade das normas das alíneas a), b, c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do
mesmo Decreto com o invocado princípio da proteção da confiança, conjugado com
o princípio da proporcionalidade.
Naturalmente, para melhor avaliação desses parâmetros não se
poderá deixar de considerar a evolução histórico-jurídica da convergência de
pensões e o contexto em que surgem as normas agora questionadas.
C. Enquadramento geral
da convergência de pensões
7. De acordo com a
exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII, o Decreto n.º 187/XII da
Assembleia da República insere-se na reforma geral destinada à convergência de
pensões entre o sistema geral da segurança social e o da proteção dos
funcionários da Administração Pública.
A ideia de convergência ou integração entre os diferentes
sistemas de segurança social é quase tão antiga como a própria CGA, a qual,
abrangendo todo o funcionalismo público, começou a funcionar em 1 de maio de
1929 (artigo 6.º do Decreto n.º 16 669 de 27 de março de 1929). De facto, o
primeiro diploma que estabeleceu os princípios fundamentais para a organização
e o funcionamento das instituições de previdência social Lei n.º 1884, de 16
de março de 1935 integrava na 4ª categoria as instituições privativas do
funcionalismo público, civil ou militar, e demais pessoal ao serviço do Estado
ou dos corpos administrativos, mas logo no § 5.º do artigo 1.º prescreveu que «as
instituições abrangidas na 3ª e 4ª categorias, nos termos dos parágrafos
anteriores, continuam a reger-se pela respetiva legislação especial, sem
prejuízo da sua gradual integração no plano de previdência social, que ao
Estado incumbe estabelecer». Como se vê, já desde então, a lei
queria integrar, de forma gradual, o público e o privado no mesmo plano de
previdência social.
Mas essa intenção foi sucessivamente abandonada na legislação
de previdência social entretanto publicada, desde o diploma que regulamentou
aquela Lei (Decreto n.º 25 935 de 12, de outubro de 1935), passando pela lei de
bases da reforma de previdência social (Lei n.º 2115, de 18 de junho de 1962),
pelo novo regulamento das Caixas Sindicais de Previdência (Decreto n.º 45 266,
de 23 de setembro de 1963) e pelo Estatuto da Aposentação ainda vigente
(Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro).
É com a CRP que a questão da convergência volta a surgir, mas
agora no patamar mais elevado de requisito do sistema público de segurança
social: incumbe ao Estado organizar um «sistema
de segurança social unificado» (n.º 2 do artigo 63.º da CRP). O cumprimento
desta atribuição, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, «afasta a
possibilidade de sistemas privativos diferenciados, como sucedeu até agora, com
o sistema de segurança social próprio dos funcionários públicos (cfr. Constituição
da República Portuguesa Anotada, 4ª ed. revista, Coimbra, 2007, Vol. I,
pág. 816).
A ideia de um
sistema de segurança social unitário, erigida agora em atribuição do Estado,
tem sido sucessivamente inscrita nas diversas leis de bases da segurança social
que se sucederam no tempo.
A primeira lei de bases (Lei n.º 28/84, de 14 de agosto),
dispunha, no n.º 1 do artigo 70.º, que os
regimes especiais de proteção da função pública se manteriam «até serem integrados com o regime geral de
segurança social num regime unitário», acrescentando o n.º 2 que tal
integração poderia ser feita «gradualmente,
através da unificação das disposições que regulam os esquemas de prestações
correspondentes às diversas eventualidades, sem prejuízo de disposições mais
favoráveis». Na mesma linha, as sucessivas Leis n.º 17/2000, de 8 de agosto
e n.º 32/2002, de 20 de dezembro, reforçaram a ideia de que os regimes de
proteção social da função pública deverão ser regulamentados por forma a
convergir com os regimes de segurança social quanto ao âmbito material, regras
de formação de direitos e atribuição das prestações.
A atual lei de bases da segurança social, aprovada em 2007
(Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), mantém, a exemplo das leis anteriores, a
ideia de que o regime de proteção social da função pública deverá prosseguir a
convergência com os regimes do sistema de segurança social, dispondo que «deve ser prosseguida a convergência dos
regimes da função pública com os regimes do sistema de segurança social» (artigo
104.º).
O objetivo de convergência dos dois sistemas referidos foi
sendo paulatinamente desenvolvido através de vários diplomas, a par de reformas
introduzidas, quer no sistema geral da segurança social (no que toca à fixação
da idade de pensão de velhice, à forma do método de cálculo das pensões, e,
finalmente, à introdução da aplicação, na determinação do montante das pensões
de velhice, de um fator de sustentabilidade, com o Decreto-Lei n.º 187/2007, de
5 de abril), quer no sistema específico dos trabalhadores da Administração
Pública e demais agentes do Estado.
Este último sistema, criado pelo já referido Decreto-Lei n.º
16 667, de 27 de março de 1929, continua a ser gerido pela CGA, um instituto
público de regime especial regulado pela lei orgânica aprovada pelo Decreto-Lei
n.º 131/2012, de 25 de junho. O complexo de direitos e deveres que formam a
situação jurídica de aposentação Estatuto da Aposentação foi sucessivamente
alterado por vários diplomas que, numa primeira fase, previam regimes
diferentes do sistema geral da segurança social, quer no que toca ao tempo de
serviço necessário para a aposentação, quer no que respeita à forma de cálculo
da pensão (Decreto-Lei n.º 191-A/79, de 25 de junho e Decreto-Lei n.º 116/85,
de 19 de abril). Numa segunda fase, marcada pelas Leis n.º 1/2004, de 15 de
janeiro e n.º 11/2008, de 20 de fevereiro, estabeleceram-se novas regras no que
respeita a esses dois elementos, de forma a aproximar os sistemas e a garantir
a respetiva sustentabilidade, designadamente a sujeição a novas regras da
possibilidade de aposentação com 36 anos de serviço e novo cálculo do montante
da pensão, passando de 100% para 90% da última remuneração mensal do
subscritor.
8. A primeira
medida estrutural para efeitos de convergência foi introduzida pelo Decreto-Lei
n.º 286/93, de 20 de agosto, que criou dois regimes diferenciados de cálculo do
valor da pensão: um, relativamente aos subscritores da CGA inscritos até 31 de
agosto de 1993, em relação aos quais foi mantido o regime então em vigor; e
outro, relativamente aos (novos) subscritores, inscritos a partir de 1 de
setembro de 1993, em relação aos quais foi determinada a aplicação das regras
de cálculo do regime geral da segurança social.
A Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, veio desenvolver a
convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral
da segurança social, tendo nisso sido seguida pelos Decretos-Leis n.ºs 157,
159, 166, 219, 220, 221, 229 e 235, todos do mesmo ano, no que respeita aos
regimes especiais de aposentação da Administração Pública.
Estabeleceu-se, desde logo, que a CGA deixava, a partir de 1 de janeiro de 2006, de proceder à
inscrição de novos subscritores. Por outro lado, determinou-se que quem
iniciasse funções a partir dessa data, era obrigatoriamente inscrito no regime
geral da segurança social.
Esta lei veio ainda alterar as condições de aposentação
ordinária e de aposentação antecipada, no que respeita ao tempo de serviço e à
idade exigida para a aposentação, procedendo a uma convergência gradual entre o
regime dos subscritores da CGA e o regime geral da segurança social, no que
respeita à idade exigida para aposentação, aumentada de 60 para 65 anos, na
progressão de 6 meses por ano. No que respeita ao tempo de serviço
correspondente a uma carreira completa, este foi aumentado de 36 para 40 anos,
também na progressão de 6 meses por ano. E relativamente ao cálculo das
pensões, estabeleceu-se um regime diferenciado em função da data da inscrição
na CGA. Assim, para os inscritos a partir de 1 de setembro de 1993, o regime de
cálculo era feito de acordo com as regras aplicáveis ao regime geral da
segurança social. Para os inscritos até 31 de agosto de 1993, a pensão passou a
ser calculada através da soma de duas parcelas: a primeira, designada na lei
por P1, corresponde ao tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005,
é calculada com base nas regras do Estatuto de Aposentação; a segunda,
denominada P2, relativa ao tempo de serviço posterior, é calculada por
aplicação das regras do regime geral da segurança social.
A Lei n.º 52/2007, de
31 de agosto, passou a determinar a aplicação, ao cálculo do valor da pensão de
aposentação dos subscritores da CGA inscritos até 31 de agosto de 1993, o fator de sustentabilidade estabelecido
para o regime geral, apurado com base na esperança média de vida aos 65 anos
verificada em 2006 e no ano anterior ao da aposentação; introduziu um limite máximo, correspondente a 12 vezes
o indexante dos apoios sociais (IAS), à remuneração mensal relevante no cálculo
do P1; e procedeu à alteração do regime de aposentação
antecipada, que passou a depender de 30 anos de serviço aos 55 anos de
idade.
A Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, veio introduzir novas medidas
destinadas à convergência dos dois sistemas. A proteção social passou a
concretizar-se pela integração dos trabalhadores num de dois regimes: no «regime geral da segurança social» ou no
«regime de proteção social convergente».
No primeiro, foram integrados os trabalhadores titulares de relação jurídica de
emprego público, independentemente da modalidade de vinculação, constituída a
partir de 1 de janeiro de 2006 e os demais trabalhadores, com relação jurídica
de emprego constituída até 31 de dezembro de 2005 e já enquadrados no regime
geral de segurança social (artigo 7º); no segundo, os demais trabalhadores que
sejam titulares de relação jurídica de emprego constituída até 31 de dezembro
de 2005 e não enquadrados no regime geral da segurança social (artigo 11.º).
Para estes, o regime de proteção social convergente constitui, a partir de 1 de
janeiro de 2006, um regime fechado a
novos subscritores.
A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (que aprovou o Orçamento
do Estado para 2013), veio estabelecer, para os pedidos de aposentação entrados
após a data da entrada em vigor da lei, a convergência imediata, no que
respeita às condições de aposentação e de reforma (65 anos de idade e 15 anos
de serviço); aditou ao Estatuto da Aposentação o artigo 6.º-B, através do qual
o conceito de remuneração ilíquida que constitui a base de incidência
contributiva para a CGA, passou a coincidir com o estabelecido no Código dos
Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social; e introduziu
novas alterações ao conceito de remuneração mensal relevante para o cálculo da
primeira parcela (P1) da pensão dos subscritores da CGA, relativa ao tempo de
serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, que passou a ser a remuneração
percebida nessa data e não a recebida na data da aposentação.
9. As pensões de
sobrevivência estiveram, por seu turno, também sujeitas a um regime
diferenciado, consoante o beneficiário falecido estivesse inscrito na CGA, ou
no regime geral da segurança social. No primeiro caso, era aplicável o Estatuto
das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de
março. A primeira grande alteração ao Estatuto das Pensões de Sobrevivência foi
efetuada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de junho, aproximando este regime
do regime geral da segurança social. Vários foram os diplomas que se sucederam
e que alteraram o referido Estatuto. Merece particular destaque o Decreto-Lei
n.º 78/94, de 9 de março, que, com o objetivo de harmonização do regime da
função pública com os demais trabalhadores, aumentou os descontos para efeito
da pensão de sobrevivência para 2,5%.
Por fim, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, veio determinar
que a titularidade e as condições de atribuição das pensões passavam a reger-se
pelas regras definidas no regime geral da segurança social. A forma de cálculo
da pensão de sobrevivência foi também alterada tendo em vista a almejada
convergência, prevendo-se dois sistemas: no que respeita às pensões atribuídas
por óbito de subscritores inscritos a partir de 1 de setembro de 1993, as
mesmas eram calculadas nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo das
pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social; já no que toca
às pensões atribuídas por óbito de subscritor aposentado a partir de 1 de
janeiro de 2006, as mesmas corresponderia à soma de 50% de P1 com o valor que
resultar da aplicação a P2 das regras do regime geral da segurança social.
10. Na sequência
destes diplomas, o Decreto n.º 187/XII da Assembleia da República é mais um
diploma que, segundo a mencionada exposição de motivos, visa aprofundar os
mecanismos de convergência da proteção social, introduzindo medidas
respeitantes às pensões de velhice, reforma, invalidez e sobrevivência
atribuídas pela CGA, de valor mensal ilíquido superior a 600,00. Por um lado,
procede à redução do montante das pensões sujeitas ao regime do Estatuto da
Aposentação no valor de 10%. Por outro, prevê a aplicação de nova fórmula de
cálculo das pensões fixadas com base nas fórmulas sucessivamente introduzidas pelas
Leis n.º 60/2005, de 29 de dezembro, n.º 52/2007, de 31 de agosto, n.º 11/2008,
de 20 de fevereiro, e n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, bem como das pensões
fixadas simultaneamente de acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, e com as regras do regime
geral de segurança social.
Posto isto, vejamos se a medida legislativa constante das
normas impugnadas redução das pensões dos atuais beneficiários é uma medida
que se insere no domínio da fiscalidade ou da parafiscalidade.
D. A redução de pensões
como um imposto especial.
11. O pedido de
fiscalização preventiva da constitucionalidade pretende ver fiscalizada a
conformidade das normas das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º
187/XII com os princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da
capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade, constantes da
norma do n.º 1 do artigo 104.º da CRP, bem como o princípio da igualdade
enunciado no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental.
Na fundamentação deste pedido argumenta-se que, embora no
plano contabilístico as normas descritas possam ser entendidas como medidas de
redução da despesa, sob o ponto de vista substancial, a redução coativa,
unilateral e definitiva de pensões, feita através da fixação de um percentual
sobre o respetivo valor ilíquido, deve ser qualificada como um imposto, à luz
dos atributos constitutivos desta mesma figura na doutrina e jurisprudência
portuguesas, dado que implica um esforço acrescido exigido aos pensionistas
para, mediante uma supressão parcial do seu rendimento mensal, realizarem fins
públicos, financiando o Estado.
E de seguida, expõe as razões por que tal imposto viola os
princípios do caráter único ou unitário, pessoal, progressivo e universal do
imposto sobre o rendimento.
12. A primeira
observação que se impõe fazer é de que o pedido de fiscalização por este
fundamento vem direcionado apenas às normas das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo
7.º do Decreto 187/XII e não às normas das alíneas b) e d) do mesmo artigo.
Como acima se referiu (n.º 7), as quatro normas do preceito
têm em comum a redução do montante da pensão auferida pelos atuais
beneficiários da CGA, inscritos até 31 de agosto de 1993, mas na previsão e na
estatuição apresentam diferenças quanto ao âmbito de aplicação e quanto ao modo
como se processa a redução da pensão: enquanto as alíneas a) e c) se aplicam a
todos os pensionistas cujas pensões foram atribuídas antes de 31 de dezembro de
2005, as alíneas b) e d) aplicam-se a todos os pensionistas cujas pensões foram
atribuídas após 1 de janeiro de 2006; enquanto as normas daquelas alíneas
impõem a «redução» em 10% no valor ilíquido da pensão, em 31 de dezembro de
2013, estas estatuem o «recálculo» do valor ilíquido do P1, substituindo a
remuneração inicialmente considerada, pela percentagem de 80% aplicada à mesma
remuneração ilíquida de quota para aposentação e pensão de sobrevivência.
Apesar destas diferenças, para efeito de qualificação
jurídico-dogmática, não parece que tenham relevo suficiente para serem
categorizadas de forma distinta. A única razão pela qual surgem autonomizadas
no preceito prende-se com a diferença existente na remuneração de referência
a considerar na fórmula de cálculo da pensão: enquanto as pensões dos
beneficiários abrangidos pelas alíneas a) e c) foram calculadas com base na
última remuneração ou, após 1 de janeiro de 2004, com base na última
remuneração deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de
pensão de sobrevivência (Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro): as pensões dos
beneficiários abrangidos pelas alíneas b) e d) foram calculadas segundo uma
fórmula composta por duas parcelas (P1 e P2), em que a remuneração relevante
para o P1 é determinada nos mesmos termos em que foi calculada a pensão dos
beneficiários incluídos nas alíneas a) e c), sem prejuízo das alterações
introduzidas à Lei 60/2005, de 29 de dezembro, acima referidas.
Ao determinar uma redução no montante das pensões atribuídas
até 1 de janeiro de 2014, sob pena de criar situações desiguais, o legislador
não podia deixar de fazer a distinção entre beneficiários aposentados antes ou
depois de 2006. É que, relativamente ao tempo de serviço prestado após esta
data, a pensão já é calculada segundo as regras do regime geral (P2), ou seja,
com uma taxa de formação de 2% ao ano, correspondente a 80% num período
contributivo de 40 anos. Se pelo período prestado entre 2006 e 2013, as pensões
já foram reduzidas em 2% por cada ano, a redução de 10% no total da pensão
seria duplamente penalizadora, colocando em situação de desigualdade os
aposentados antes e depois de 1 de janeiro de 2006.
Daí que o sentido normativo das quatro alíneas questionadas
seja o mesmo: impor uma redução no valor da pensão aproximando-a da «taxa de substituição» existente no
regime geral para um tempo completo de serviço, ou seja, 80% da remuneração de
referência. É claro que, as pensões que foram calculadas sem redução da
percentagem da quota para efeitos de aposentação (10% até 31 de dezembro de
2010 e 11% após essa data Decreto-Lei n.º 137/2010 de 28 de dezembro), ficam,
por esse efeito, com uma taxa de substituição de 90%, em situação diferente das
pensões em que essa dedução foi feita as atribuídas após 1 de janeiro de 2014
cuja redução passará nuns casos de 90% e noutros de 89% para os 80%. Mas esta
diferença, que decorre apenas da relevância que a contribuição para a
aposentação, tem no cálculo da pensão, não dita um propósito diferente à medida
restritiva imposta pelo Decreto n.º 187/XII, quer aos subscritores (artigo 2.º)
quer aos atuais beneficiários (artigo 7.º).
13. Esta prévia
observação abre já pistas para se poder localizar o domínio específico do
direito em que as normas questionadas devem ser integradas. O seu conteúdo é
matéria que indiscutivelmente se insere no direito
da segurança social: diminui-se o valor das pensões de aposentação,
reforma, invalidez e sobrevivência, eventualidades que o n.º 3 do artigo 63.º
da CRP integra na segurança social. A intervenção restritiva do quantum da pensão afeta assim direitos
de caráter social que fazem parte do conjunto de institutos jurídicos que
formam a segurança social, e por conseguinte, é a partir desse domínio que a
qualificação das normas deve ser realizada. E sendo os destinatários das normas
pensionistas da CGA, que continuam vinculados à função pública (artigo 74.º da
Estatuto da Aposentação Decreto-Lei n.º 498/72 de 9 de dezembro), o direito
administrativo social também poderá ser convocado à qualificação.
Todavia, a inserção das normas no âmbito do direito da
segurança social só por si não lhes retira a natureza fiscal, até porque as
entidades públicas que gerem os sistemas de segurança social podem liquidar e
cobrar tributos parafiscais, eventualmente sujeitos aos princípios
constitucionais que regulam os impostos.
14. No âmbito das
normas jurídicas que regulam a atividade financeira do Estado o direito
financeiro público os impostos e outros tributos fiscais ou parafiscais
enquadram-se num dos setores do direito das receitas, mais propriamente no direito tributário ou direito das
receitas coativas do Estado e demais entes públicos (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina 6ª ed. págs.
5-6).
Neste enquadramento, é pertinente saber se, numa ótica financeira
e orçamental, a redução das pensões é uma medida que atua pela lado das «receitas» ou pelo lado das «despesas», pois, para aplicação dos
parâmetros jurídico-constitucionais do sistema fiscal e dos impostos artigos,
103.º, 104.º, e alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP pode não ser
indiferente a opção de se intervir por um ou por outro lado.
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII essa
questão é amplamente analisada, considerando-se que as medidas propostas
pretendem aprofundar a convergência de pensões pelo lado da despesa: «Ao nível da redução da despesa, via que o
PAEF privilegia, a solução mais equitativa e viável passa por alterar a fórmula
de cálculo da parcela da pensão dos subscritores da Caixa inscritos até 31 de
agosto de 1993 relativa ao tempo de serviço prestado até 2005 e reduzir ou
recalcular a pensão ou primeira parcela da pensão dos aposentados por forma a
aproximar-se o que ainda assim apenas sucederá parcialmente - do valor que
resultaria das regras aplicadas no regime geral e na Caixa aos subscritores
inscritos desde 1 de setembro de 1993. Alterar a fórmula apenas para o futuro
significaria que nenhum efeito positivo na sustentabilidade seria sentido no
curto e no médio prazo. A configuração da despesa também limita fortemente a
capacidade de o legislador definir níveis de isenção para as reduções e
recálculos sem comprometer a utilidade da medida».
A Constituição, apesar de se referir a «despesas» e «receitas»
(cfr. artigos, 105.º e 106.º), não define tais conceitos, sendo razoável supor
que os assumiu com o sentido que têm no direito financeiro. Nesse sentido,
despesas são gastos ou custos que os serviços precisam de fazer para criarem,
adquirirem ou prestarem serviços suscetíveis de satisfazer necessidades (cfr.
Teixeira Ribeiro, Finanças Públicas,
Coimbra, 1977, pág. 48, e Sousa Franco, Finanças
Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed, Coimbra, 1996, Vol. I, pág. 297).
Assim sendo, pelo menos para efeitos orçamentais e contabilísticos, o pagamento
de pensões constitui uma despesa da CGA, tal como se prescreve no artigo 14.º
do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de junho: «constituem despesas da CGA, I. P., as que resultem de encargos
decorrentes da prossecução das respetivas atribuições, designadamente as
resultantes do pagamento das prestações sociais».
Se as pensões são uma despesa e não uma receita, em princípio,
as reduções de pensões constituem redução de despesa e não receita, pois um
encargo reduzido não deixa de ser um encargo. Todavia, ainda assim se poderá questionar
se a diminuição desse encargo não representará uma forma ou uma diferente
técnica de tributar rendimentos dos pensionistas, o que recoloca a questão da
fiscalidade ou parafiscalidade do «quantum»
de diminuição.
15. A circunstância
de se ver na redução das pensões características semelhantes aos impostos não a
identifica ou sequer aproxima desta categoria clássica do direito fiscal.
Imposto define-se como
«uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, sem caráter de sanção, exigida
pelo Estado ou por outros entes públicos, com vista à realização de fins
públicos» (cfr. Cardoso da Costa, Curso
de Direito Fiscal, 2ª ed. Almedina, pág. 4). Se é certo que na redução da
pensão se verificam algumas destas características, por se tratar de uma medida
coativa e unilateral, a verdade é que lhe faltam elementos fundamentais para a
categorizar com o imposto.
Desde logo, reduzido o conceito de imposto à expressão mais
simples de prestação pecuniária, poderia dizer-se que a redução coativa e
unilateral da pensão não constitui uma obrigação dare pecuniam, uma conduta específica de prestar ou pagar uma
importância em dinheiro determinada através de determinadas operações técnicas.
O que existe sim é uma irresistível sujeição
do titular do direito à pensão imposta e concretizada por quem tem a obrigação
de a pagar. Não há uma entrega direta do valor da importância reduzida, porque,
na relação jurídica de aposentação, a entidade que tem o dever de pagar a
pensão é a mesma que fica com o encargo de a reduzir. Mas, se o imposto é uma
prestação patrimonial positiva que não depende de qualquer outro vínculo
anterior, será difícil aceitar aquela sujeição como um imposto, pois a redução
da pensão assenta necessariamente num vínculo jurídico que obriga ao seu
pagamento.
Depois, porque o pressuposto legal de que cuja ocorrência
depende a constituição da obrigação de pagar o imposto é alheio a qualquer
relação entre o sujeito passivo e a administração. O imposto é uma prestação
exigida a detentores de capacidade
contributiva, no âmbito do relacionamento entre o Estado fiscal e todos os
cidadãos. Pressuposto que está expresso no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral
Tributária (Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro): «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva
revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do
património». Do princípio da capacidade contributiva resulta que sobre
todos os cidadãos impende o dever fundamental de pagar impostos (princípio da generalidade), o que
constitui expressão do princípio da igualdade no domínio dos impostos (artigo
13.º da CRP). Ora, a redução da pensão opera dentro de uma específica relação
jurídica de aposentação os aposentados inscritos até 31 de agosto de 1993 e
não no âmbito de uma relação geral como a postulada pelo princípio da
capacidade contributiva.
A implicação que a subsistência daquela relação tem no imposto
sobre o rendimento é a seguinte: se a pensão é reduzida por lei, isso só quer
dizer que a taxa do imposto irá incidir sobre uma matéria coletável menor, mas
não quer dizer que a parte da pensão que for reduzida seja convertida em novo
imposto; não ficam a existir dois impostos paralelos, um sobre a pensão
reduzida e outro coincidente com a parte reduzida da pensão; a capacidade contributiva
que é tributada é o rendimento da pensão reduzida, pois a parte da pensão que
foi cortada por lei não revela qualquer capacidade contributiva.
Por último, os impostos têm por finalidade o financiamento
geral das despesas públicas e não o financiamento de despesas públicas
determinadas. O financiamento de despesas específicas é feito através de
figuras tributárias, como as taxas e contribuições financeiras, ancoradas em
princípios diferentes da capacidade contributiva (v.g. princípio da equivalência,
princípio da solidariedade), mesmo que lhe possam fazer algumas concessões.
Ora, como a redução de pensões tem por finalidade específica a sustentabilidade do sistema previdencial público e a
justiça intergeracional de acordo com o exarado na exposição de motivos não
podendo ser utilizadas para financiar despesas gerais do Estado, afastado fica
o seu enquadramento na categoria jurídica dos impostos.
16. Excluída da
fiscalidade propriamente dita, o
requerente considera que ainda assim a medida impugnada pode ser qualificada
como uma figura tributária especial,
reconduzível a uma parafiscalidade sujeita às mesmas regras constitucionais dos
impostos.
E em boa verdade, dada a finalidade específica que lhe foi
cometida, a de diminuir o encargo com as pensões, tal medida só poderia ser
incluída no âmbito dos tributos parafiscais, pois nela verificam-se algumas
características destes tributos: (i) tem natureza coativa e é exigida por via
de autoridade; (ii) é cobrada por organismo que tem autonomia perante o Estado
(artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/2012 de 25 de junho); (iii) está afeta ao
fim específico de diminuição dos encargos com pensões; (iv) e situa-se no
orçamento de um organismo dotado de autonomia administrativa e financeira
(artigos, 1.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de junho).
Tratando-se de prestações sociais incluídas no sistema
previdencial, que é baseado no princípio contributivo ou do autofinanciamento
(cfr. artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), a redução das pensões
poderia ser configurada como uma contribuição
para a segurança social, um esforço que os atuais pensionistas fariam para
a autossustentabilidade do sistema. Apesar de aposentados, seria ainda a
relação jurídica sinalagmática estabelecida entre a obrigação legal de
contribuir e o direito à pensão que justificaria a possibilidade de redução da
pensão, num contexto económico em que as contribuições dos atuais subscritores
são insuficientes para autofinanciar o sistema previdencial. Se neste sistema
as receitas devem provir, maioritariamente, dos beneficiários, então pode
aceitar-se que, em caso de desequilíbrio entre contribuições e prestações, os
atuais pensionistas também contribuam para garantir a sua solvabilidade, sob
pena de se transformar em sistema não contributivo.
Acresce que, sendo o sistema previdencial um sistema de
repartição, em que as pensões são suportadas pelas contribuições dos
trabalhadores no ativo e respetivos empregadores (denominado pay-as-you-go), no caso das
contribuições serem insuficientes para pagar as pensões, os princípios da
solidariedade e da justiça intergeracional (cfr. artigo 8.º da Lei n.º 4/2007
de 16 de janeiro) também podem justificar o esforço contributivo dos atuais
beneficiários. A desproporção que o sistema de repartição pode gerar entre
contribuições e prestações poderia constituir fundamento para que os atuais
pensionistas colaborassem, através da diminuição do montante das pensões, no
reequilíbrio do sistema.
Assim, poderia concluir-se que a redução de pensões assumia a
natureza de contribuição para a segurança social, um tributo de natureza
idêntica às quotizações que efetuam os atuais subscritores e futuros
pensionistas. Na falta de um regime geral das contribuições financeiras, a
redução de pensões poder-se-ia reconduzir a essa categoria, prevista na alínea
i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, mesmo que, do ponto de vista material,
possa ter características próprias e diversas.
Mas mesmo nesta configuração, não deixaria de constituir uma
medida inserida no regime geral da segurança social e não uma medida
condicionada pelos princípios jurídico-constitucionais da tributação, como a
unicidade, a capacidade contributiva, progressividade e a universalidade (artigo
104.º da CRP).
17. A redução de
pensões, apesar de ser apresentada como medida estrutural, vem na linha de
medidas semelhantes anteriormente tomadas no contexto de emergência económica e
financeira em que o país se encontra, e que foram objeto de fiscalização pelo
Tribunal Constitucional.
No que se refere aos
trabalhadores da Administração Pública no ativo, o Tribunal pronunciou-se sobre
as normas que impuseram a redução
remuneratória dos vencimentos mensais ilíquidos no ano de 2011, que suspenderam os subsídios de férias e de Natal no ano de 2012, e que mantiveram
a redução remuneratória e suspenderam total ou parcialmente o subsídio
de férias ou equivalente no ano de 2013; e quanto aos pensionistas,
pronunciou-se sobre a suspensão dos
subsídios de férias e de Natal de
2012 e sobre a imposição da contribuição
extraordinária de solidariedade (CES) em 2013 (cfr. Acórdãos n.º 396/2011,
de 21 de setembro de 2011, n.º 353/2012, de 5 de julho de 2012 e n.º 187/2013,
de 5 de abril de 2013).
A redução das pensões é uma medida legislativa que, pelos
efeitos produzidos, se assemelha ou equivale aos cortes nas remunerações e
subsídios. No pedido que deu origem ao último acórdão foi invocada a
inconstitucionalidade da norma que impôs a suspensão dos subsídios de férias (artigo
29.º da Lei n.º 66-B/2012) com fundamento em que, por envolver a ablação do
rendimento anual, constituía uma norma específica da chamada constituição
fiscal, um imposto que viola o princípio da capacidade contributiva. Mas o
Tribunal julgou que a norma do artigo 104.º da CRP não podia ser convocada como
parâmetro autónomo de constitucionalidade, porque a intervenção do Estado
ocorreu no âmbito de uma relação jurídica de emprego, agindo enquanto
empregador (Estado empregador) e não enquanto titular do poder político
soberano (Estado soberano), pelo que esta opção, apesar de não se situar em
terreno constitucionalmente neutro, não pressupunha nem autorizava «a
transmudação normativa da natureza da medida convertendo uma intervenção
realizada no domínio da relação de emprego público numa intervenção fiscal ou
parafiscal».
Esta jurisprudência, que retira natureza tributária às
restrições ao direito à retribuição inerente à relação jurídica de emprego
público, também se pode aplicar quando se trata de restringir o direito à
pensão ligado à relação jurídica de aposentação. A situação jurídica de
aposentado nasce com a extinção da relação jurídica de emprego público,
permanecendo, todavia, o aposentado vinculado à Administração Pública através
de uma nova relação jurídica (de aposentação) filiada naquela e constituída em
seu benefício. No sistema previdencial, a pensão constitui uma prestação
pecuniária substitutiva dos
rendimentos de trabalho perdidos em consequência da extinção da relação
jurídica de emprego público (cfr. artigo 50.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de
janeiro). Por isso, a intervenção restritiva no complexo de direitos, deveres e
incompatibilidades que formam o estatuto do aposentado mobilizam, no plano
constitucional, os princípios materiais da segurança social (v.g. contributivo,
solidariedade, justiça intergeracional) e os condicionantes de medidas
restritivas (vg. igualdade, proporcionalidade, proteção da confiança), mas não
os que conformam medidas fiscais ou parafiscais.
Ainda que se atribua à redução de pensões a natureza jurídica
de contribuição para a segurança social,
como acima se admitiu, o Tribunal Constitucional já se pronunciou, no Acórdão n.º
187/2013, na parte que se refere à CES, que esta contribuição não se conforma
pelos parâmetros jurídico-constitucionais das medidas de matriz fiscal. O
Tribunal considerou a CES como um instrumento financeiro de redução de despesa
pública, com a natureza jurídica de contribuição para a segurança social, que
«não está sujeita aos princípios tributários gerais, e designadamente aos princípios
da unidade e da universalidade do imposto, não sendo para o caso mobilizáveis
as regras do artigo 104.º, n.º 1, da CRP relativas ao imposto sobre rendimento
pessoal». Independentemente da qualificação jurídico-dogmática da figura, o
certo é que, ao reconduzi-la a «um encargo enquadrável no tertium genus das demais contribuições financeiras a favor dos
serviços públicos» categoria referida na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º
da CRP inscreveu-a no ordenamento da segurança social e não no ordenamento
jurídico-fiscal.
18. A redução do
montante das pensões imposta pelo Decreto n.º 187/XII é uma medida conformadora
da relação jurídica de aposentação, em que se integra o direito à pensão.
No contexto do diploma, as normas questionadas pretendem determinar,
para o futuro, o quantum da pensão
dos beneficiários da CGA inscritos até 31 de agosto de 1993. O objetivo é fazer
«convergir» para os atuais e futuros pensionistas o montante das pensões com a
fórmula de cálculo vigente no regime geral, sendo concebido como mais uma etapa
de um processo de convergência iniciado em 1993, com a inclusão no regime geral
dos trabalhadores da Administração Pública, e que desde 2006 se vêm aproximando
gradualmente através de vários instrumentos tendentes a repor a sustentabilidade
do sistema.
De acordo com a exposição de motivos, a medida concreta que o
Decreto n.º 187/XII quer introduzir na fórmula de cálculo das pensões,
aproximando-a do regime geral da segurança social, é a «taxa de substituição» prevista no n.º 3 do artigo 63.º da Lei n.º
4/2007, de 16 de janeiro. Em concretização do prescrito no artigo 104.º dessa
lei, que determina o prosseguimento da convergência dos regimes da função
pública com o regime do sistema de segurança social, o Decreto vem alterar a fórmula
de cálculo da pensão, aproximando a taxa de substituição do regime da Caixa,
que era de 100% (90% ou 89% a quem foi deduzida a percentagem da quota para
efeitos de aposentação), da taxa do regime geral da segurança social, que é de
80%, num tempo completo de 40 anos.
Ora, ao introduzir a taxa de formação da pensão para os
futuros beneficiários com períodos contributivos anteriores a 31 de dezembro de
2005 artigo 2.º do Decreto n.º 187/XII por razões de sustentabilidade
financeira e de justiça intergeracional, pretende estender a mesma restrição,
em igual medida, aos atuais beneficiários. Num e noutro caso a lógica da medida
é a mesma: igualar ou aproximar a taxa de substituição das pensões atribuídas
pela Caixa à taxa de substituição das pensões que são atribuídas pela Segurança
Social. É uma lógica e uma intenção que seguramente se inscreve nos princípios
materiais conformadores da segurança social e não no domínio da constituição
fiscal.
Em suma: não existe fundamento para a invalidação constitucional
das normas impugnadas como base nos artigos, 104.º e 13.º da CRP.
E Direito à segurança social: normas
constitucionais e configuração legislativa
19. Afastada que está a tese de que as normas
questionadas se traduzem em medidas de caráter fiscal, importa prosseguir a
análise com uma breve caracterização do direito à pensão como direito social jusfundamental,
de forma a compreender-se em que medida pode estar sujeito à intervenção do
Estado.
A segurança social, tal como a Constituição a prevê, reveste a
finalidade específica de um sistema e objeto de um direito; num outro sentido,
pode ser encarada, numa vertente objetiva, como incumbência do Estado, e numa
vertente subjetiva, como um complexo de direitos e deveres das pessoas (cfr.
António da Silva Leal, O Direito à Segurança Social, in AA.VV. Estudos
sobre a Constituição, 2.º vol., coord. de Jorge Miranda, pág. 339; Jorge
Miranda, Breve Nota sobre a Segurança Social, in AA.VV. Estudos em Memória
do Doutor José Dias Marques, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 228).
A primeira incumbência do Estado , consiste na organização
do sistema de segurança social (n.º 2 do artigo 63.º), de natureza pública e
obrigatória, o qual deve ser universal, ou seja, abranger todos os
cidadãos, independentemente da sua situação profissional, afastando assim o
acolhimento de conceções exclusivamente laborísticas; ser geral ou integral,
no sentido de incluir todas as situações de falta ou diminuição de meios de
subsistência ou de capacidade de trabalho; e unificado, descentralizado
e participado. (v., sobre as várias conceções, universalista,
assistencialista e laborista, Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social,
Coimbra Editora, 1996, págs. 233 e ss).
A configuração constitucional da segurança social perspetiva-a
ainda como um direito social, de natureza positiva, que tem como
correspetivo verdadeiras obrigações de facere por parte do Estado. Conforme
mais desenvolvidamente se explicitou no Acórdão n.º 187/2013, de 5 de abril, o
sistema Português recortou autonomamente um direito à segurança social.
Como decorre do n.º 3 do artigo 63.º, o conteúdo desse direito
pode reconduzir-se, numa perspetiva que não abrange prestações personalizadas e
em espécie, ao direito que os indivíduos e as famílias têm à segurança económica.
Direito este que se concretiza fundamentalmente em prestações pecuniárias
destinadas a garantir as necessidades de subsistência derivadas de várias
situações, como a interrupção, redução ou cessação de rendimentos do trabalho,
com o objetivo de garantir, de modo tanto quanto possível aproximado,
rendimentos de substituição dos rendimentos de trabalho perdidos (cfr.
António da Silva Leal, ob. cit., pág. 344, Ilídio das Neves, ob. cit., pág. 230).
O direito à segurança social constitui uma realidade
heterogénea, que inclui no seu âmbito, direitos, poderes e faculdades muito
diversos e com força jurídica distinta. Quer dizer: o direito à segurança
social, no sentido de direito como um todo, abrange várias faculdades
concretas, designadamente, a proteção através de prestações pecuniárias nas situações de reforma,
aposentação, invalidez e sobrevivência, mas também prestações em espécie, através, por exemplo, da
prestação de cuidados (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais, Coimbra
Editora, 2010, pág. 34).
20. As normas de direitos sociais fundamentais
apresentam diferenças também no que respeita ao grau de vinculatividade do
legislador. Em geral, os preceitos constitucionais relativos ao direito à
segurança social, incluindo os relativos às pensões, são pouco densificados, o
que leva a doutrina a referir que o programa constitucional em matéria de
segurança social não pode deixar de assumir caráter aberto (Jorge Miranda,
Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, pág. 641).
No entanto, ainda assim é possível discernir diferentes graus
de abertura constitucional.
Algumas das normas sobre direitos sociais possuem natureza
programática, remetendo para uma realização diferida no tempo, sendo, portanto,
dotadas de vinculatividade jurídica mais atenuada. Outras, pelo contrário,
impõem ao Estado a realização de tarefas concretas e definidas no âmbito da
realização dos direitos sociais.
Essa diferente natureza das normas de direitos fundamentais
sociais também se reflete na liberdade de que o legislador dispõe, para, após
ter dado concretização aos direitos sociais, poder alterar a sua configuração
infraconstitucional.
Alguma doutrina tem referido, neste contexto, que quando o
parâmetro de verificação da constitucionalidade é este último tipo de normas e
sempre que a lei ordinária já concretizou, total ou parcialmente, aquelas
imposições constitucionais precisas, entende-se que o legislador perde margem
para eventual retrocesso, pelo menos quando tal retrocesso configure a criação
ou reposição de um incumprimento omissivo da Constituição (cfr. Jorge Reis
Novais, O Tribunal Constitucional
e os direitos sociais o direito à segurança social", Jurisprudência
Constitucional, n.º 6, 2006, pág. 5).
E alguns autores referem mesmo, em concretização desta ideia,
que a liberdade de conformação do legislador tem como limite o núcleo
essencial já realizado dos direitos (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Garantia
da Constituição, 2ª edição, Almedina,
1998, pág. 437) ou o nível realizado de concretização legislativa que já
beneficiava de uma sedimentação na
consciência jurídica geral que lhe conferia o estatuto de direito materialmente
constitucional (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, 5ª edição, Almedina, pág. 377).
Há que sublinhar, porém, que o pleno cumprimento do programa
constitucional dos direitos sociais depende essencialmente de fatores
financeiros e materiais que, em grande medida, o Estado não domina (cfr.
Jorge Reis Novais, As Restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente
autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2ª ed. 2003, pág. 147). Assim, a
concretização legislativa dos direitos sociais é levada a cabo pelo legislador
em função dos recursos disponíveis em cada momento histórico. A ideia da
preservação do núcleo essencial não se pode confundir com a ideia de um
princípio de proibição do retrocesso social, cujo conceito puro é
impraticável, já que pressuporia a ideia de que os recursos disponíveis seriam
sempre crescentes no futuro (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais,
cit., pág. 243).
Aliás, como afirma Gomes Canotilho, uma tese de irreversibilidade
de direitos sociais adquiridos deve entender-se com razoabilidade e
com racionalidade, pois poderá ser necessário, adequado e proporcional baixar
os níveis de prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio
direito social (cfr. Bypass Social e o Núcleo Essencial das prestações
Sociais, in Estudos sobre Direitos
Fundamentais, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 265). Nesta
perspetiva, a própria garantia da manutenção do conteúdo mínimo do direito à
pensão pode exigir a diminuição do seu montante, de forma a preservar recursos
para a manutenção desse núcleo essencial.
F O direito à pensão: fundamentos, abertura de
conformação e de alteração legislativa
21. A Constituição não autonomiza expressamente, e
nesses termos, um direito à pensão. No entanto, o direito à pensão é
um dos corolários do direito à segurança social como um todo. Por diversas
vezes o Tribunal Constitucional reconheceu o direito à pensão,
nomeadamente, à pensão de velhice, invalidez e viuvez, como um direito
constitucionalmente protegido.
Embora na sua génese, a idade da reforma e consequente
proteção na reforma ou aposentação, tivesse sido associada a uma «invalidez
presumida», acabou por ser considerado: (i) um direito ao repouso, que
pretende garantir ao trabalhador que chegou à idade da reforma, a
alternativa de repouso com garantia de um «sucedâneo» da retribuição, antes
percebida pela prestação de trabalho (cfr. Acórdão n.º 581/95); (ii) um
direito à segurança económica das pessoas idosas, previsto no artigo 72.º, n.º
1, da CRP (cfr. Acórdão n.º 435/98); (iii) ou uma manifestação do direito à
segurança social radicado no princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito
nos artigos, 1.º e 2.º da CRP, visando assegurar, designadamente, àqueles
que terminaram a sua vida laboral ativa, uma existência humanamente
condigna (cfr. Acórdão n.º 72/2002). No mesmo sentido, o direito à
segurança económica está igualmente expresso no artigo 25.º da Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, na parte em que se prevê o direito das
pessoas idosas a uma existência condigna e independente.
E o mesmo se verifica com a pensão de invalidez, que se
justifica nos mesmos princípios, destinando-se a garantir um rendimento de
substituição aos que não têm capacidade para o trabalho; e com a pensão de
sobrevivência, que visa a proteção dos familiares sobrevivos face a uma
diminuição dos rendimentos do agregado familiar, garantindo, assim, a segurança
económica dessas pessoas através da atribuição de rendimentos de substituição
dos quais o agregado ficou privado.
22. A Constituição não fixa, com caráter de regra
suscetível de aplicação direta e imediata, o sistema de pensões e demais
prestações do sistema de segurança social, assim como os critérios da sua
concessão e valor pecuniário. Caberá assim ao legislador ordinário, em função
das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas
decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elementos
de conteúdo das pensões. É-lhe deixada uma grande margem de manobra no que toca às modalidades e técnicas de proteção a
instituir (Luísa Andias Gonçalves, Reflexões em torno da Reforma das
Prestações Sociais, in AA.VV. org. Fernando Ribeiro Mendes; Nazaré Costa
Cabral, Por Onde vai o Estado Social em Portugal?, no prelo).
Também aqui a liberdade de decisão do legislador é variável,
consoante a maior ou menor determinabilidade das regras constitucionais.
Em certas situações, a margem de conformação do legislador
será necessariamente menor. É o que se verifica com a norma do n.º 4 do artigo
63.º, que garante o princípio conhecido na doutrina italiana como princípio
da totalização que impõe a contagem de todo tempo de trabalho realizado para
o cálculo do montante das prestações: todo o tempo de trabalho contribui,
nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez,
independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado. O
Tribunal Constitucional considerou que esse direito possuía natureza análoga a
direitos, liberdades e garantias (cfr. Acórdãos n.º 411/99 e n.º 432/2007).
Todavia, tem sido afirmado que desse princípio não decorre que
o legislador ordinário esteja constitucionalmente vinculado a garantir ao
pensionista uma pensão rigorosamente correspondente ao das remunerações
registadas durante o período contributivo, não se podendo falar num princípio
da equivalência entre contribuições e montantes da prestação, já que o
sistema previdencial assenta em mecanismos de repartição e não de capitalização
(cfr. Acórdão n.º 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acórdão que a
Constituição da República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas
ou princípios a exigência de que se tenha em consideração, como critério para o
cálculo do montante das pensões de reforma, o montante da retribuição
efetivamente auferida pelo trabalhador no ativo. Pode e, numa certa
perspetiva, haverá mesmo que distinguir-se entre a necessária consideração de
todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como
critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos realmente auferidos
(cfr. Acórdão n.º 675/2005).
Com efeito, não sendo o sistema caracterizado pelo princípio
da correspectividade, em que há uma correlação direta entre a contribuição paga
e o valor da pensão a atribuir, como acontece no sistema de capitalização, tem
vindo a entender-se que o princípio do Estado social ou da socialidade
justifica que o princípio da equivalência seja corrigido pelo princípio de
solidariedade, não apenas à relação entre contribuição e prestação, mas também
na articulação entre risco e prestação (cfr. João Carlos Loureiro, Adeus
ao Estado Social? O Insustentável Peso do Não-Ter, in Boletim da
Faculdade de Direito, vol. LXXXIII, Coimbra, 2007, pág. 169, e ainda,
Ilídio Neves, ob. cit., pág., 304).
23. O legislador possui margem de manobra para delinear
o conteúdo concreto ou final do direito à pensão, respeitados os limites
constitucionais pertinentes. Assim, afirmar o reconhecimento, autónoma e
imediatamente decorrente do texto constitucional, do direito à pensão, não
significa que se possa afirmar o direito a uma determinada pensão. O direito a
uma determinada pensão só adquire conteúdo preciso através da legislação
ordinária. Pelo que a sua vinculatividade jurídica é uma criação
infraconstitucional. Apenas a partir do momento em que o legislador ordinário
fixa, com elevado grau de precisão e de certeza, o conteúdo do direito exigível
do Estado, o direito à pensão adquire na ordem jurídica um grau pleno de
definitividade e densidade (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais, cit.,
pág. 148).
Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja
levada a cabo a concretização legislativa do direito, ela passará a integrar a
norma de direito fundamental, correspondendo a faculdades, pretensões ou
direitos particulares integráveis no direito fundamental como um todo (cfr.
Jorge Reis Novais, Direitos Sociais, ob. cit., pág. 154, e, de certa forma,
Jorge Miranda e Rui Medeiros quando afirmam que os direitos legais a
prestações resultantes da concretização do direito à segurança social, uma vez
consolidados na lei () possam beneficiar do regime do artigo 17.º (ob. cit.,
pág. 635). Não obstante, isso não significa uma absoluta intangibilidade do
direito à pensão, mas sim que o referido direito passa a beneficiar da proteção
específica correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado
de Direito, como a proteção da confiança ou da proporcionalidade, apenas
podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios.
24. Assim, o legislador não está proibido de alterar a
forma como materializa o direito à pensão, podendo alterar ou até mesmo reduzir
o seu montante, tendo em consideração a evolução das circunstâncias económicas
ou sociais, estando embora proibido de eliminar o instituto pensão de reforma,
aposentação, invalidez e sobrevivência ou, ainda, o seu conteúdo essencial.
O direito à pensão está, aliás, particularmente dependente das
disponibilidades financeiras do Estado, sendo, nesse sentido, mais permeável à
pressão da conjuntura, sobretudo, nos períodos mais críticos de dificuldades
económicas (cfr. Jorge Reis Novais, O Tribunal Constitucional, cit., págs. 3
e ss.). Essa especial vulnerabilidade justifica-se não apenas com o facto de o
direito à pensão alocar recursos financeiros imediatos, mas também devido à
própria estrutura do direito. O direito à pensão tem na sua formação uma
estrutura temporal de média e longa duração, pelo que durante a vida da
prestação, os contextos económicos do Estado podem alterar-se radicalmente.
Por outro lado, para além da sua duração prolongada, as
pensões são ainda particularmente dependentes dessa reserva do possível, pelo
simples facto da sua inserção no sistema solidário de prestação do contrato
geracional. Ora, num sistema previdencial de repartição, os beneficiários não
podem ignorar os riscos envolvidos, com a possibilidade de alteração dos
direitos em formação, não se podendo defender que se reconhece, sem exceções,
um princípio da intangibilidade no que toca ao quantum das pensões (cfr. João
Carlos Loureiro, Adeus ao Estado Social?..., cit., págs. 166, 170 e 379). E
quanto aos direitos já consolidados, no Acórdão n.º 187/2013 sentenciou-se o
seguinte: «o reconhecimento do direito à pensão e a tutela específica de que
ele goza não afastam, à partida, a possibilidade de redução do montante
concreto da pensão. O que está constitucionalmente garantido é o direito à
pensão, não o direito a um certo montante, a título de pensão».
No entanto, o legislador, na conformação que faz, em cada momento
histórico, do direito à pensão está juridicamente vinculado pelas normas e
princípios constitucionais. Assim, apesar de um inequívoco reconhecimento de
que o legislador possui liberdade para alterar as condições e requisitos de
fruição e cálculo das pensões, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de
respeitar vários limites constitucionalmente impostos, nomeadamente os que
derivam do princípio do Estado de Direito. Deste modo, as alterações que o
legislador pretenda levar a cabo têm de se fundar em motivos justificados
designadamente a sustentabilidade financeira do sistema , não podem afetar o
mínimo social, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, e da
proteção da confiança.
É pela análise deste último parâmetro constitucional que o
Decreto n.º 187/XII vai ser confrontado.
G. Norma parâmetro:
princípio da proteção da confiança.
25. O requerente
considera que a redução e o recálculo das pensões de aposentação, reforma,
invalidez e sobrevivência, apesar de vigorarem para o futuro, afetam
desfavoravelmente relações jurídicas, direitos e factos consolidados que foram
constituídos no passado, ao abrigo de legislação vigente em que os
beneficiários da CGA realizaram toda a sua carreira contributiva. Ao assumirem
a natureza de normas portadoras de retroatividade inautêntica devem ser
confrontadas com o princípio da proteção da confiança, deduzido do artigo 2.º
da CRP, tendo por referência os testes ou requisitos que dão a possibilidade
constitucional de o invocar.
E segundo a mecânica aplicativa desse parâmetro, no seu
entender, estão reunidos cumulativamente todos os pressupostos do princípio da
proteção da confiança: (i) «é inequívoco que o Estado criou, junto dos
referidos pensionistas, expectativas de continuidade da fruição desses
direitos, com conteúdo preciso e legalmente definido»; (ii) «as expectativas de
continuidade dos direitos constituídos ao abrigo da lei e da relação
sinalagmática firmada com o sistema de segurança social devem ser reconhecidas
como legítimas»; (iii) «os cidadãos que realizaram os seus descontos confiaram
na lei vigente para o planeamento da sua vida futura em termos de criação de
condições de subsistência na velhice ou invalidez, não lhes sendo objetivamente
exigível que tivessem feito outros planos providenciais, com base na antevisão
da possibilidade de o Estado vir a alterar, retrospectivamente, as regras
pré-estabelecidas e reduzir para o futuro, os valores das prestações»; (iv) a
transição de regimes não foi «realizada de forma suave, ou seja, através de
uma redução progressiva que confira aos cidadãos tempo e fatores de
circunstâncias que lhe permitam ajustar o seu plano de vida às novas imposições
sacrificiais que impõem uma diminuição expressiva de rendimento».
Perante tal constatação, o requerente devolve ao Tribunal a
apreciação do caráter intolerável, arbitrário ou demasiado oneroso das
normas questionadas, que ferem retrospectivamente legitimas expectativas de
continuidade do desfrute de um direito constituído e definido, requerendo ainda
que analise se, nos termos constitucionais, não será necessária uma norma de
transição que seja adequada e necessária à tutela da segurança jurídica dos
pensionistas.
26. Embora o
Decreto n.º 187/XII pretenda vigorar para o futuro os efeitos jurídicos da
redução de pensões só se aplicam a partir de 1 de janeiro de 2014 as normas
impugnadas incidem sobre as relações jurídicas de aposentação constituídas ao
abrigo de um regime anterior. Estamos, pois, perante um dos casos em que a lei
se aplica para o futuro a situações de facto e relações jurídicas presentes não
terminadas, modalidade de retroatividade que a doutrina chama de
«retroatividade inautêntica» ou «retrospetiva».
Como refere Gomes Canotilho, dando como exemplo as normas
reguladoras dos regimes de pensões na segurança social, «nestes casos, a nova
regulação jurídica não pretende substituir ex tunc a disciplina normativa
existente, mas acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias geradas
no passado e relativamente às quais os cidadãos têm legítimas expectativas de
não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos» (cfr. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. pág. 262). De igual modo, para
Jorge Reis Novais verifica-se uma situação dessas quando a lei nova só reclama
uma vigência ex nunc, ainda que com a virtualidade de afetar direitos que,
embora constituídos no passado por força da lei anterior, prolongam os seus
efeitos no presente (cfr. As Restrições aos Direitos Fundamentais, pág. 818).
Como se referiu (n.º 24) não há regras constitucionais
impeditivas de leis retrospetivas que imponham a redução do «quantum» de
pensões já reconhecidas. Isso não significa, porém, que a eventual
inconstitucionalidade dessas leis não deva ser apreciada com base em princípios
constitucionais, como o da proteção da confiança. É precisamente nas situações
de sucessão de leis no tempo que o princípio da confiança pode ser invocado
como parâmetro autónomo da constitucionalidade de um ato legislativo.
O princípio da proteção da confiança pode pois ser mobilizado nas
situações da chamada retrospetividade, ainda que o valor jurídico da confiança
possa ter aí um menor peso do que nas situações de verdadeira retroatividade.
Nestes casos, refere Reis Novais, «a resistência à retroatividade apresenta uma
menor intensidade normativa: o juízo de inconstitucionalidade dependerá
essencialmente de uma ponderação de bens ou interesses em confronto» (cfr. Os
Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora,
pág. 266). Daí que não haja, com efeito, um direito à não-frustração de
expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas
duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao
legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do
funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem
processos pendentes (Acórdão n.º 287/90).
A proteção da confiança é uma norma com natureza
principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e
imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da
CRP. Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da
proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança o da
proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade,
permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes.
Sustentado no princípio do Estado de direito democrático, o
seu conteúdo tem sido construído pela jurisprudência, em avaliações e
ponderações que têm em conta as circunstâncias do caso concreto. Quando
aplicado ao poder legislativo, o Tribunal Constitucional densificou o princípio
através de uma fórmula que, desde o já referido Acórdão n.º 287/90, tem vindo
ser aplicada em sucessiva jurisprudência.
Entre inúmera jurisprudência, explicita-se a referida fórmula
no Acórdão n.º 128/2009, nos seguintes termos:
De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da
segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja
tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:
a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável,
será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que,
razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar;
e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de
salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam
considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade,
explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no
n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados (e que são igualmente
expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a
quatro diferentes requisitos ou testes. Para que haja lugar à tutela
jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o
Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar
nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas
ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem
os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de
continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que
não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não
continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da
confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na
constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma
confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram
formulados a Constituição não lhe atribui proteção.
27. A metodologia a
seguir na aplicação deste critério implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas
dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as
razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções
legislativas. Os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas
constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais
possível a frustração das suas expectativas
fundadas; mas a esse interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação
social. Caso os dois grupos de interesses e valores são reconhecidos na
Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário
exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de
cada um, qual o que deve prevalecer.
O método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses
relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se
julga sobre a proporcionalidade ou
adequação substancial de uma medida restritiva de direitos. Mesmo que se
conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro
legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros
materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa» (cfr. Acórdão n.º
287/90).
28. Como acima se
referiu, o respeito pelo direito à pensão não significa necessariamente que o
valor da pensão seja intangível, pois mesmo verificando-se
os pressupostos exigíveis para a tutela da confiança, a relevância do interesse público pode justificar
alterações legislativas.
Com efeito, a ponderação envolvida
no princípio da proteção da confiança não pode atuar sem primeiramente se
conhecer os interesses de política legislativa que possibilitam e justificam a
redução e recálculo de pensões.
O proponente das normas
questionadas, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII, indica
como principal justificação para a redução de pensões a sustentabilidade do sistema público de pensões, a que acresce a igualdade proporcional e a solidariedade entre gerações. Depois de
expor os fatores que conduziram ao desequilíbrio financeiro estrutural e os
elementos e razões de facto tendentes a demonstrar a existência de uma
disparidade entre o regime da Caixa e o regime geral da segurança social,
sempre superior a 10% do valor mensal das pensões, concluiu que a correção
daquele desequilíbrio não pode ser «apenas
para as pensões a calcular no futuro o que só por si adiaria o início dos
efeitos em cerca de dois anos, dado o volume de pedidos, a que é ainda
aplicável a legislação de 2012, pendentes de instrução na Caixa porque, como
a experiência demonstra, a despesa total continuaria a aumentar de forma
acelerada só por efeito do aumento do número de pensões».
A justificação da prevalência do
imperativo da sustentabilidade financeira sobre as expectativas dos atuais
pensionistas vem referida nos seguintes termos:
«A presente proposta de lei aprofunda a convergência,
para os novos pensionistas, como sempre sucedeu no passado e como impõem
princípios de justiça material e de equidade há muito defendidos pelo
legislador, mas igualmente para os atuais pensionistas, pelas mesmas razões mas
também, essencialmente, por imperativos de sustentabilidade financeira cuja
gravidade e premência não podem deixar de prevalecer, ao menos provisoriamente,
sobre as expectativas dos afetados, preservando, porém, os efeitos já
produzidos das situações a alterar, que apenas são modificadas para o futuro.
No atual contexto de emergência económica e financeira
do Estado, não há condições materiais para, por mais tempo, continuar a
circunscrever o ónus da insustentabilidade financeira do sistema aos futuros
beneficiários. Os beneficiários atuais e futuros deste sistema que são os
principais interessados na sua sustentabilidade financeira devem, todos, sem
exceção, na medida das suas possibilidades, participar nesse esforço, na
certeza de que o que lhe vier a acontecer no futuro não deixará de a todos por
igual afetar, inevitavelmente em maior medida do que os sacrifícios que agora
são pedidos.
Assim, o esforço pedido aos atuais pensionistas é
essencial à salvaguarda das suas próprias expectativas, que apenas podem ser
adequadamente protegidas num contexto de sustentabilidade do sistema de pensões
a que pertencem. Tal esforço, seguramente bem compreendido no quadro da
solidariedade entre gerações, é a melhor garantia de que também as gerações
vizinhas das atualmente aposentadas poderão dispor, ainda assim, de um grau
mínimo de autonomia na definição do futuro».
E a relevância dada ao valor da justiça intergeracional
acentua-se na seguinte passagem:
«A solidariedade entre gerações não pode deixar de ser
bidirecional, dos trabalhadores ativos para com os pensionistas, mas igualmente
destes para com aqueles, não podendo razoavelmente exigir-se aos primeiros um
esforço desproporcionado para aquilo que são as suas capacidades e para aquilo
que serão previsivelmente os benefícios que colherão no futuro do sistema, isto
mesmo admitindo que as novas regras não serão também elas alvo de alteração em
sentido desfavorável no futuro»
29. Certa doutrina tem reconhecido que a
sustentabilidade é um critério que pode levar a uma redução global de pensões
na hipótese de, apenas desse modo, se
assegurar a capacidade funcional do sistema de previdência (cfr. João Carlos
Loureiro, Adeus ao Estado Social? ,
cit. pág. 174). Os interesses públicos da sustentabilidade financeira e da
justiça intergeracional os invocados como fundamento das normas impugnadas
têm também sido invocados pelo Tribunal Constitucional para credenciar medidas
restritivas de direitos sociais, quer num contexto de crise económico-financeira
(cfr. Acórdão n.º 187/2013), quer a propósito da convergência do sistema de
pensões (cfr. Acórdãos n.º 188/2009 e n.º 3/2010).
De forma bem expressiva, refere-se no Acórdão n.º 188/2009 que
«não pode deixar de reconhecer-se que a
limitação do montante da pensão, entendida no quadro mais geral da reforma do
sistema de segurança social, se encontra justificada pela necessidade de
salvaguardar interesses constitucionalmente protegidos que devem considerar-se
prevalecentes, como o princípio da justiça intergeracional e o princípio da
sustentabilidade». O princípio da sustentabilidade recebe acolhimento
constitucional nos artigos, 81.º, alínea a), e 66.º, n.º 1 e 2, da CRP, mas
também do artigo 101.º, quando refere a exigência do desenvolvimento social
ou do artigo 9.º, alínea d), que tem subjacente a ideia de justiça
intergeracional, o que pressupõe a sustentabilidade do sistema.
O princípio da
sustentabilidade, que tem dimensão jurídico-constitucional, assume
particular relevo num sistema previdencial baseado no princípio contributivo ou do autofinanciamento.
Segundo este princípio, que é deduzido da regra constitucional da autonomia
orçamental da segurança social, consagrada no artigo 105.º, n.º 1, alínea b),
da CRP, «o sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo
por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir
e o direito às prestações» (cfr. artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de
janeiro). E a partir da autonomia orçamental e financeira da segurança social,
a doutrina extrai o princípio da
autossustentabilidade do sistema previdencial (cfr. Gomes Canotilho/Vital
Moreira, ob. cit. págs. 1105-1106).
30. Quer pelos
dados exarados na exposição de motivos, quer pelos estudos juntos aos autos
pelo Governo, nomeadamente, o Desenvolvimento
técnico da exposição de motivos, a Análise
comparada da evolução dos regimes da CGA e da Segurança Social ao longo do
tempo e o Relatório de Avaliação
atuarial do regime de pensões da Caixa Geral de Aposentações, verifica-se
que o proponente da norma põe em relevo a situação financeira da Caixa como o
motivo justificador da redução de pensões.
Com efeito, invoca que o desequilíbrio financeiro estrutural
da CGA, com um défice anual que ascende a 2,6% do PIB, e que é coberto por
transferências do Orçamento, em cerca de 60% das prestações pagas anualmente, associado
à situação de emergência económica e financeira em que o país se encontra, torna
a situação insustentável, exigindo medidas como as constantes das normas
questionadas.
É certo que o equilíbrio e a consolidação orçamental, que são
perspetivados a curto e médio prazo, mas sobretudo na avaliação da
sustentabilidade financeira do sistema público de pensões, são interesses públicos
orientadores de qualquer reforma estrutural
do sistema público de pensões. Perspetivando-se a continuação desse
desequilíbrio, pela projeção negativa da evolução de certos fatores de longo
prazo (v.g. envelhecimento da população, aumento da esperança média de vida), a
sustentabilidade é apontada como um elemento estrutural do sistema de pensões
da Caixa.
Ora, refere a exposição de motivos que o princípio da
autossustentabilidade será posto em causa quando 60% das prestações atribuídas
são cobertas por transferências anuais do Orçamento do Estado, ou seja, através
de impostos ou por recurso ao endividamento. Numa situação de crise
económica-financeira, que gere diminuição de contribuições para a segurança
social, por via do desemprego e diminuição de remunerações, com a consequente
diminuição da base de incidência, as medidas legislativas que visem garantir a
solvabilidade e sustentabilidade do sistema satisfazem e realizam interesses
públicos individualizados.
31. Por seu turno,
também o princípio da justiça
intergeracional recebe acolhimento constitucional, falando a CRP em
solidariedade entre gerações (artigo 66.º, n.º 2, alínea d)). O Tribunal
Constitucional já deu acolhimento ao valor da solidariedade intergeracional
(v. Acórdão n.º 437/06, de 12 de julho). Este princípio reveste especial relevo
num regime de repartição de segurança social, como o nosso, em que as
quotizações/contribuições que dão entrada no sistema servem de fonte de
financiamento das prestações entregues àqueles que dele estão a usufruir. Este
princípio poderá justificar um corte nas pensões que se insiram já no campo dos
designados direitos adquiridos, uma vez que a proteção rígida desses direitos
poderia traduzir-se numa ameaça a toda
uma geração que, pelo simples facto de reunir os pressupostos para adquirir
o direito à pensão num momento posterior, teria de sustentar a manutenção do nível de reformas dos já detentores dos
direitos adquiridos, mesmo que isso
pusesse em causa a sustentabilidade do sistema e se traduzisse numa profunda
injustiça intergeracional (cfr. João Carlos Loureiro, Adeus ao Estado Social? , cit. pág.
159 e Susana Tavares da Silva, O
problema da Justiça intergeracional em jeito de comentário ao acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 187/2003, in Cadernos de Justiça Tributária, Ano 00, págs. 11 e ss.).
32. Por último,
ressalta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII que as normas
impugnadas também visam atingir fins de justiça social, equidade contributiva e
solidariedade intergeracional, designadamente através do aprofundamento da «convergência» do regime da Caixa
(atualmente designado de regime de proteção social convergente) com o sistema
previdencial do regime geral.
Também o interesse público da convergência encontra apoio em diversas
normas constitucionais e legais: (i) o artigo 63.º, que caracteriza o sistema
de segurança social como um sistema de segurança social unificado; (ii) a lei
de bases Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro que no seu artigo 104.º impôs que
fosse dada continuidade à «convergência dos regimes da função pública com os
regimes do sistema de segurança público»; (iii) o n.º 2 do artigo 29º da Lei n.º
4/2009, de 29 de janeiro, que determina o âmbito e termos da convergência, ao
estabelecer que a regulamentação dever incluir «a definição do objeto,
objetivo, natureza, condições gerais e especiais, regras de cálculo de
montantes e outras condições de atribuição das prestações que efetivam o
direito à proteção em todas as eventualidades, referidas no artigo 13.º (ente
elas, a velhice), de forma idêntica à respetiva legislação aplicável no regime
geral, sem prejuízo das especificidades decorrentes da organização e sistema de
financiamento próprio do regime de proteção social convergente».
Na ótica do proponente das normas impugnadas, a prossecução do
interesse público da convergência justifica que a medida de redução de pensões
seja aplicada apenas aos pensionistas
da CGA, uma vez que as suas pensões representam, na perspetiva dos fins a
atingir, uma sobrecarga ou um peso excessivo, em comparação com os pensionistas
do regime geral, cujas pensões são, em regra, menores em 10%.
A percentagem de 10% prescrita nas normas questionadas vem
explicada na exposição de motivos como sendo a diferença existente até 31 de
dezembro de 2005 entre as pensões calculadas segundo o regime da Caixa e as
pensões calculadas segundo o regime geral. Aí se
refere que inúmeras simulações realizadas com situações tipo no universo dos
pensionistas na Caixa confirmam a diferença de pelo menos 10% a seu favor: as
pensões atribuídas pela Caixa «se calculadas de acordo com cada um dos regimes
sucessivamente em vigor no regime de proteção social convergente aplicado pela
Caixa em 2000, 2005 e 2010, apresentam, relativamente ao resultado da fórmula
historicamente mais favorável do regime geral de segurança social, que vigorou
entre 1993 e 2001, uma diferença, para mais, de pelo menos 10% (a diferença,
nalguns casos, é mesmo substancialmente superior a essa, chegando mesmo a
ultrapassar os 30%)».
Ainda de acordo com o referido na exposição de motivos, esta
disparidade sempre existiu porque, na legislação sucessivamente em vigor, a
remuneração atendível para efeitos de cálculo correspondia à última remuneração do cargo pelo qual o
subscritor era aposentado, o equivalente a 100% até 2004, 90% até 2010 e 89%
até à atualidade, enquanto no regime geral sempre existiu uma a taxa de
formação da pensão correspondente a 2% ao ano, que em 40 anos de serviço
equivale a 80%.
Deste modo, um dos objetivos declarado do Decreto n.º 187/XII
é o de fazer convergir a fórmula de cálculo da pensão dos subscritores e
beneficiários da CGA com os do regime geral, de modo a que a taxa de substituição seja idêntica para
todos. É por isso que, nas alíneas b) e d) do artigo 7.º, se procede a um
recálculo da primeira parcela da pensão (P1) calculada segundo a fórmula
introduzida pela Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro. Só nestas pensões é que a
remuneração atendível para o tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de
2005 corresponde sucessivamente a 100%, 90% e 89% da última remuneração. Como
relativamente ao tempo de serviço prestado após aquela data, a pensão já é
calculada segunda as regras do regime geral sujeita a uma taxa anual de
formação da pensão de 2% a 2,3% a incidência dos 10% sobre esse parcela (P2)
não faria a convergência dos sistemas, uma vez que faria incidir sobre a mesma
remuneração de referência duas deduções: os 2% por cada ano de serviço e 10%
sobre a totalidade.
33. Os interesses
públicos conexos com a sustentabilidade do sistema público de pensões, a
justiça intergeracional e a convergência do regime de pensões da CGA com o
regime geral da segurança social anteriormente analisados são consonantes com
os princípios retores de uma eventual reforma estrutural do mesmo sistema
concebida de harmonia com o programa constitucional plasmado no artigo 63.º da CRP.
Contudo, as reformas previstas no artigo 7.º, n.º 1, do
Decreto n.º 187/XII reportam-se exclusivamente ao sistema de pensões da CGA que é apenas uma parte do sistema
público de pensões, uma vez que este engloba também o sistema previdencial do sistema da segurança social (artigos, 23.º
e 50.º e seguintes da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) e são apresentadas na
exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII como exigências de aprofundamento do nível de convergência
e de um reequilíbrio relativo entre o
esforço exigido e os benefícios atribuídos aos trabalhadores passados e atuais
abrangidos pelo regime da Caixa. Do mesmo modo, os imperativos de sustentabilidade financeira invocados especialmente
para justificar a diminuição do valor das pensões em pagamento dos
beneficiários da CGA fundamentam-se numa ideia de autossustentabilidade do
mesmo sistema de pensões. A explicação em ambos os casos é a de que «Os beneficiários atuais e futuros deste
sistema que são os principais interessados na sua sustentabilidade financeira
devem, todos, sem exceção, na medida das suas possibilidades, participar
nesse esforço, na certeza de que o que lhe vier a acontecer no futuro não
deixará de a todos por igual afetar, inevitavelmente em maior medida do que os
sacrifícios que agora são pedidos».
Ou seja, o regime previdencial da CGA é (ainda hoje) concebido
pelo legislador como um sistema público
autónomo e paralelo ao sistema de
pensões do regime geral da segurança social, vocacionado para alcançar, a
prazo, uma situação financeira equilibrada. E, num tal quadro, a racionalidade
da solução preconizada no citado artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII,
analisa-se nas duas seguintes proposições:
- Primeira: na
impossibilidade de aumentar mais o nível de transferências do Orçamento do
Estado para o sistema de pensões da Caixa, o
agravamento do respetivo défice financeiro estrutural tem de ser financiado
pelos seus beneficiários, atuais e futuros;
- Segunda: uma vez que
os beneficiários futuros do regime da Caixa já realizam hoje contribuições
muito superiores ao valor dos benefícios que poderão vir a auferir e estes
passam a ser ajustados à medida dos benefícios percebidos no âmbito do Regime
Geral de Segurança Social (a convergência prevista no artigo 5.º da Lei n.º
60/2005, de 29 de dezembro, é atualizada e consumada nos termos do artigo 2.º
do Decreto n.º 187/XII), justifica-se reduzir
os benefícios atuais atribuídos pela Caixa para um nível equivalente ou próximo
do dos benefícios a conceder no futuro no âmbito do mesmo regime, que,
mormente no plano da «taxa de substituição», deve corresponder ao nível de
benefícios atribuídos no âmbito do RGSS.
A redução e o recálculo de pensões surgem, deste modo, como
uma solução alternativa ao aumento das transferências do Orçamento do Estado e,
portanto, como medidas de consolidação
orçamental pelo lado da despesa.
34. Identificados os
interesses públicos em presença que fundamentam a alteração legislativa em
causa, importa agora caracterizar as expectativas dos destinatários por ela
afetados.
Através da fixação da pensão, constante da resolução final do
procedimento tendente a apurar se estão reunidas as condições necessárias e a
determinar o montante da pensão, regulando definitivamente a situação do
pensionista, ocorre a concessão de um novo «status» que atribui um complexo de
direitos, entre eles o direito a uma «pensão
mensal vitalícia» (cfr. artigos, 46.º e 97.º do Estatuto de Aposentação Decreto-Lei
n.º 498/72).
Com o reconhecimento, ou desde que se encontrem reunidos todos
os requisitos necessários ao seu reconhecimento, o direito à pensão entra na
esfera jurídica do aposentado com a natureza de verdadeiro direito subjetivo, um «direito
adquirido» que pode ser exigido nos termos exatos em que for reconhecido. O
artigo 66.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, define os direitos adquiridos
como sendo «os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem
reunidos todos os requisitos legais relativos ao seu conhecimento». Estes
direitos ganharam já vestes de direitos com um conteúdo preciso e definido: são
«direitos perfeitos, fechados»; por
estarem preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o seu
reconhecimento, «o beneficiário viu entrar na sua esfera jurídica um direito
subjetivo com contornos exatos, estando em situação de exigir do Estado a
prestação que lhe é devida» (cfr. Luísa Andias Gonçalves, ob. cit.).
Deles distinguem-se os chamados direitos em formação, cujo período
contributivo se iniciou, mas ainda não se completou. Todavia, em abstrato, pode
afirmar-se que, quer nestes direitos quer nos já adquiridos, verifica-se uma
situação de formação de expectativas merecedoras de proteção, ou seja, existe
sempre a confiança de que o montante da pensão perspetivado ou já fixado não
sofrerá alterações posteriores, que não sejam as decorrentes da sua atualização
legal.
Apesar disso, os titulares dos chamados direitos adquiridos encontram-se, à partida, numa situação que
carece de uma tutela mais reforçada
que a de um trabalhador que está ainda a formar a sua carreira contributiva.
Nas pensões em formação, apesar de
também poderem existir expectativas legítimas dignas de proteção garantidas,
em regra, por normas transitórias os subscritores, futuros beneficiários,
podem contar com a possibilidade de mudança, já que o legislador, através do
artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, os adverte que o regime de aposentação
se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se
verificam os pressupostos que dão origem à aposentação (cfr. Acórdãos deste
Tribunal n.º 99/99, n.º 302/2006 e 351/2008).
O direito à pensão, enquanto direito adquirido, fundado na
lei, com existência real, material, individualizado e incorporado no património
do aposentado, a vencer mensalmente, em princípio, está mais protegido em
relação a quaisquer modificações legislativas posteriores. Aí, o princípio da
tutela dos direitos adquiridos, positivado nos artigos 20.º e 66.º da Lei n.º
4/2007, de 16 de janeiro, representa o acolhimento no plano infraconstitucional
da ideia tuteladora do princípio constitucional da proteção da confiança. Neste
contexto, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros que, quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente é o
controlo da proteção da confiança (ob. cit., pág. 643).
Nesse sentido, refere-se no Acórdão n.º 187/2013:
«Chegado o momento em que cessou a vida ativa e se
tornou exigível o direito às prestações, o pensionista já não dispõe de
mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta às novas
circunstâncias, o que gera uma situação de confiança reforçada na estabilidade
da ordem jurídica e na manutenção das regras que, a seu tempo, serviram para
definir o conteúdo do direito à pensão.
Por outro lado, é legítima a confiança gerada na
manutenção do exato montante da pensão, tal como fixado por ocasião da passagem
à reforma. Sobretudo porque o nosso sistema é um sistema de benefício definido,
em que se garante a cada pensionista uma taxa fixa de substituição sobre os
vencimentos de referência.
E isso reflete-se também na tutela do investimento na
confiança, que, sem dúvida, é de presumir ter existido por parte do titular do
direito, e que decorre, não propriamente do facto de o pensionista ter efetuado
contribuições enquanto trabalhador ativo já que o nosso sistema é financiado
por repartição e não por capitalização mas da circunstância de, contando com
o caráter definido do benefício, poder não ter sentido, justificadamente, a
necessidade de se precaver por outras formas quanto a uma possível perda de
rendimentos».
As expectativas merecedoras de tutela são, assim, obviamente
mais fortes no caso dos pensionistas que já são beneficiários de uma pensão
atribuída com base nas regras definidas no momento relevante do cálculo da
mesma, ou seja, na altura da passagem à situação de aposentação.
35. É inequívoco
que os destinatários das normas questionadas são titulares de um direito à
pensão já constituído e consolidado na sua esfera jurídica e que dispõem de
expectativas legítimas de receberam mensalmente o montante da pensão a que têm
direito.
E o Estado, no exercício da função legislativa, ao longo do
tempo foi impulsionando e enraizando a ideia de segurança e confiança na
manutenção, e até atualização, do quantum
de pensão que foi fixado na «resolução final» que lhe reconheceu o direito à
pensão (cfr. artigo 97.º do Estatuto da Aposentação).
Pela evolução do regime de pensões, verifica-se que o
legislador, sempre que interveio nesse regime, em sentido mais desfavorável aos
subscritores e pensionistas, quer quanto às condições de aposentação quer
quanto à fórmula de cálculo, teve o cuidado de salvaguardar as situações
jurídicas, seja em formação seja já constituídas.
As quatro leis de bases gerais do sistema de segurança social
publicadas ao abrigo do artigo 63.º da CRP estabeleceram sempre um princípio da salvaguarda dos direitos
adquiridos e em formação: «o desenvolvimento e a regulamentação da presente
lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao
abrigo de legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultem de
remunerações registadas na vigência daquela legislação» (cfr. artigos, 73.º da
Lei n.º 24/84, de 14 de agosto; 104.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto; 121.º
da Lei 32/2002, de 20 de dezembro; 100.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
E esse princípio sempre foi respeitado na sucessiva legislação
que gradualmente foi impondo condições mais gravosas para os subscritores e
beneficiários do sistema providencial da CGA.
O primeiro diploma que na prática fez diminuir a taxa de
substituição das pensões desse sistema foi a Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro,
que deduziu à remuneração relevante para o cálculo da pensão a percentagem de
quota para efeitos de aposentação e de sobrevivência, o que originou uma
redução de 10%, com reflexos inevitáveis no valor da pensão em igual medida. A
taxa de substituição, que traduz a relação existente entre o valor da primeira
pensão e o valor da última remuneração, viu-se assim reduzida de 100% para 90%.
Mas, a fim de se proteger as expectativas jurídicas dos pensionistas e
subscritores que à data reuniam as condições legalmente exigidas para a
concessão de aposentação, essa redução de 10% não lhes foi aplicada.
De igual modo se verificou com a introdução da nova fórmula de cálculo das pensões,
constante do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, que foi composta
por duas parcelas, uma para o tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de
2005 (P1) e outra para o tempo posterior a essa data (P2), precisamente para
assegurar os direitos e expectativas das carreira contributivas já
consolidadas. Acresce que o artigo 7.º dessa Lei não deixou de ressalvar a aplicação
do regime anterior a quem à data reunia a condições de aposentação.
E o mesmo ocorreu com a aplicação de fator de sustentabilidade no cálculo da pensão, com a fixação do limite máximo de pensão, correspondente
a 12 vezes o indexante dos apoios sociais (Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto) e
com o reporte a 31 de dezembro de 2005 da remuneração
de referência da P1, em substituição da última remuneração (Lei n.º
66-B/2012, de 20 de dezembro). Em todas estas situações de agravamento do
montante da pensão, o legislador criou direito
transitório, que inseriu nos respetivos diplomas, estatuindo que as pensões
que estivessem a ser abonadas à data da sua entrada em vigor não sofreriam
qualquer redução de valor.
E no que se refere propriamente ao «regime de proteção social convergente», onde se incluem os
destinatários das normas questionadas, o n.º 4 do artigo 29.º da Lei n.º 4/2009,
de 29 de janeiro, relativo à regulamentação da convergência, vincula o
legislador a manter o nível de proteção
existente antes da convergência: «a regulamentação referida no n.º 2, prevê se,
em casos concretos, e em qualquer das eventualidades, dela resultar nível de
proteção inferior ao assegurado pelo regime de proteção social da função
pública anteriormente em vigor, é mantido esse nível de proteção através da
atribuição de benefícios sociais pela entidade empregadora». Esta norma
estabelece um limite material ao poder do legislador de modificar em sentido
regressivo a regulamentação protetora existente na função pública, um verdadeiro
mecanismo de «standstill» que se opõe
à modificação dos direitos sociais em forma de regressão.
Mas também os chamados direitos
em formação foram sempre tidos em conta, através da previsão de regimes
transitórios ou de entrada em vigor gradual. Assim, por exemplo, quando a lei
estabeleceu condições mais gravosas para o acesso à aposentação ordinária e
antecipada, convergindo com o regime geral quanto à idade (que passou de 60
para 65 anos) e ao tempo de serviço (que passou de 36 para 40 anos), fê-lo de
forma progressiva ao longo de 10
anos, aumentando 6 meses em cada ano, de modo a atenuar a frustração das
expectativas de quem estava próximo de reunir as condições legais para
aposentação a coberto do anterior regime. O regime de transição originariamente
estabelecido na Lei n.º 60/2005 de 29 de dezembro criou expectativas no sentido
de que seria essa a forma de transição para a convergência a realizar no
futuro.
Assim, a convergência dos sistemas de proteção tem vindo a ser
efetuada de forma gradual, com salvaguarda das posições jurídicas já
constituídas e em formação, prevendo-se inclusive períodos de transição entre
regimes sucessivos com alguma dilação temporal e mantendo sempre intocadas as
pensões já atribuídas. Ora, com este modo de alteração do regime de
aposentação, o Estado, nomeadamente o legislador, encetou comportamentos
capazes de gerar nos pensionistas «expectativas» fortes, fundadas em boas
razões de que o quantum de pensão não
seria diminuído.
36. Os visados pelo artigo 7.º do Decreto n.º
187/XII são os pensionistas que foram inscritos na CGA (o que sucedeu até 1993),
e entretanto aposentados. Trata-se, assim, de um grupo de destinatários muito
específico os atuais pensionistas beneficiários de pensões da CGA já em
pagamento. As pessoas que compõem o universo dos afetados com a medida estão em
situação de especial vulnerabilidade, já que, devido à sua saída da vida ativa,
não possuem a mesma facilidade de readaptação a condições económicas mais
exigentes. De facto, face a um decréscimo do rendimento que até então auferiam,
os destinatários destas medidas estão, nomeadamente pela idade avançada ou pela
incapacidade, impedidos de refazer as condições de vida, ou de obter fontes de
rendimento complementares. Isso mesmo foi reconhecido no Acórdão n.º 369/97 e
reafirmado no Acórdão n.º 187/2013: a
passagem à situação de reforma e a dependência dos sistemas de pensões
constituem frequentemente um importante fator de vulnerabilização e de
precarização da vida das pessoas idosas.
O mesmo se pode
dizer, de resto, no que toca às pensões de invalidez e de sobrevivência. Também
as pessoas abrangidas por essas pensões não estão em condições de se adaptar a
uma mudança do montante das mesmas, e do qual dependem.
Ora, os
destinatários da medida em causa têm vindo, desde o momento da reforma, a gerir
o seu dia a dia com base num determinado rendimento, que tinham para si como um
rendimento fixo, já que o nosso sistema atual é baseado no sistema de benefício definido, em que se garante a
cada pensionista uma taxa fixa de substituição sobre os vencimentos de
referência (cfr. Acórdãos n.ºs 353/12 e 187/2013). Tendo em conta esse
rendimento fixo, e acreditando na estabilidade do mesmo, os pensionistas
poderão mesmo ter assumido diversos compromissos que se podem tornar
inviabilizados com tal medida, deixando-os assim na impossibilidade de cumprir
os mesmos.
E perante
a sucessiva legislação que aumentou a idade de reforma, o período contributivo
e as regras de cálculo de pensão, com salvaguarda de direitos, enquanto
subscritores e futuros beneficiários, os atuais pensionistas também puderam
fazer planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade de um
determinado regime que julgavam mais favorável. É razoável aceitar que a
confiança na manutenção de um determinado regime legal pode ter sido
determinante na opção irreversível que fizeram pela aposentação numa
determinada data. Quem, por exemplo, fez a opção pela antecipação da
aposentação, sujeitando-se a uma taxa de redução de 4,5% e 6% sobre cada um dos
anos em falta para a idade legalmente prevista, certamente confiou que a pensão
mensal vitalícia que iria receber não sofreria mais reduções; e quem, reunindo
as condições para tal, optou pela aposentação para beneficiar da taxa de
substituição relativamente à remuneração relativa ao tempo de serviço prestado
até 2005 (P1), por certo que também se sentirá injustiçado por ver que lhe
alteraram as regras de cálculo da almejada pensão. De igual modo, não custa
admitir que as expectativas fundadas em comportamentos positivados do Estado,
no sentido da continuidade da forma de cálculo da pensão vigente à data da
aposentação, tenha sido determinante na não opção de investimento em sistemas de proteção complementar,
precisamente porque julgaram legitimamente que os rendimentos que aufeririam
seriam suficientes para sustentar o nível de vida pretendido e as obrigações
económicas e financeiras entretanto assumidas.
37. Neste
contexto, a redução das pensões operada através do artigo 7.º do Decreto
n.º 187/XII é uma medida regressiva que mina a confiança legítima que os
pensionistas têm na manutenção do montante de pensão que foi fixado com base na
legislação vigente à data em que se aposentaram. A garantia da manutenção do
montante de pensão foi logo afirmada no momento em que a pensão foi fixada pela
resolução final da CGA, a qual regulou «definitivamente»
o direito à pensão e o seu montante e, como referimos, continuou assegurada nas
sucessivas modificações e limitações do regime de cálculo das pensões, nas
quais foram dados sinais claros e expressos em letra de lei de que o montante
da pensão se manteria intangível.
Nas reformas destinadas à convergência do regime geral da
segurança social com o regime de proteção social da função pública, o direito à
pensão em pagamento foi sempre salvaguardado, criando o Estado expectativas de que os chamados
direitos adquiridos não seriam afetados. Daí que os pensionistas, embora possam
contar com nova atividade legislativa na matéria, não possam legitimamente esperar
medidas avulsas que abruptamente interfiram nas posições jurídicas já
consolidadas e que, na
terminologia dos Acórdãos n.ºs 187/2013 e 396/2011, contrariam a normalidade anteriormente
estabelecida.
Acresce que a
confiança que os pensionistas depositam no sentido de inalterabilidade das
regras que serviram de base ao cálculo da pensão e do valor da pensão que foi
fixado no momento da aposentação resulta também da natureza contributiva do sistema previdencial. Mesmo que não exista
uma correlação direta entre a contribuição paga e o valor da pensão a atribuir,
como acima se referiu, o direito à pensão não só pressupõe o cumprimento da
obrigação contributiva, como também constitui uma prestação de substituição do
rendimento de trabalho (cfr. artigos, 50.º e 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de
janeiro, e 12.º e 22.º, n.º 2, da Lei n.º 4/2009, de 28 de janeiro).
Nessa medida, o subscritor efetua descontos sobre o vencimento
tendo em vista uma pensão cujo valor reflete proporcionalmente as remunerações
que constituíram a base de incidência contributiva. E daí que se entenda que o
direito a um certo montante de pensão, que foi formado em função de determinada
remuneração mensal, tenha que ter uma proteção de especial densidade. Se também
é uma contrapartida do valor pago ao longo da carreira contributiva, sem o qual
não se teria formado, mais se acentuam os valores da estabilidade, confiança,
continuidade e segurança jurídica que devem garantir a pensão validamente
adquirida e consolidada. De facto, e como referiu o Acórdão n.º 474/2013 em
relação à "preservação do emprego, também no contexto da perspetivação do
direito à pensão se pode afirmar que dificilmente se encontra grau de
investimento pessoal superior àquele que incide sobre a preservação do
trabalho, valor essencial para a () obtenção de condições de existência ao
sustento próprio e do agregado familiar na vida ativa e também depois dela,
acrescenta-se agora.
38. Cumpre agora
avaliar se a diminuição do valor das pensões dos beneficiários da CGA estatuída
no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII é justificada, à luz do princípio
da proteção da confiança, pelo interesse público prosseguido por tal medida.
Não é esta a primeira vez que o Tribunal procede à ponderação
entre os direitos e expetativas de pensionistas e as necessidades de imposição
de sacrifícios financeiros. Com efeito, no seu Acórdão n.º 187/2013, o Tribunal
teve de analisar uma medida de redução do valor de pensões já atribuídas à luz
do princípio da proteção da confiança, considerando o seguinte:
« As razões de
interesse público a que aí [- no Relatório do Orçamento do Estado para 2013 -]
se pretendia aludir radicam, por outro lado, nas conhecidas dificuldades de
conjuntura económico-financeira e na necessidade de adoção de medidas de consolidação
orçamental, de que segundo se afirma depende a própria manutenção e
sustentabilidade do Estado Social.
No plano de análise em que nos colocamos, tudo ponderado,
face à excecionalidade do interesse público em causa e o caráter transitório da
medida, pode ainda entender-se, no limite, que a supressão de 90% do subsídio
de férias aos pensionistas não constitui uma ofensa desproporcionada à tutela
da confiança, justificando-se uma pronúncia no sentido de não desconformidade
constitucional por referência a esse parâmetro de aferição.» (pág. 39)
Estas razões, todavia, não procedem no caso vertente.
Desde logo, porque, como mencionado, a consolidação orçamental
plasmada no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII vem reportada
exclusivamente a uma parte do sistema público de pensões ao regime
previdencial da CGA -, e não ao sistema público de pensões ou ao Estado social
globalmente considerado. Consequentemente, é a proteção da confiança de certos
pensionistas aqueles que são afetados - que tem de ser considerada e
confrontada com a posição dos demais pensionistas. Por outro lado, a medida ora
em análise não é temporária, mas antes de duração indefinida, uma vez que a
respetiva reversibilidade, embora admitida, se encontra dependente da evolução favorável
de variáveis macroeconómicas diretamente relacionadas com o aumento da
capacidade de financiamento do défice estrutural do sistema de pensões da CGA
por via de transferências do Orçamento do Estado (cfr. o artigo 7.º, n.º 6 e 7,
do Decreto n.º 187/XII).
39. A questão que o
quarto teste ou requisito da metódica aplicativa do princípio da proteção
da confiança suscita no caso sub iudicio
é a de saber se o interesse público na diminuição das transferências do
Orçamento do Estado em vista do financiamento do défice estrutural da CGA
pois é nisto que se cifra a consolidação orçamental operada pelo artigo 7.º,
n.º 1, do Decreto n.º 187/XII - justifica a redução das pensões dos
beneficiários da mesma CGA.
E a resposta não pode deixar de ser negativa, fundamentalmente
por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque, em virtude de opção
político-legislativa aliás não contrariada no Decreto n.º 187/XII -, o
sistema de pensões da Caixa foi fechado a novas inscrições a partir de 1 de
janeiro de 2006 (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro).
Consequentemente, a partir dessa data, o «ónus da insustentabilidade
financeira» de tal sistema a que se refere a exposição de motivos deixou de
poder ser imputado apenas aos seus
beneficiários, atuais ou futuros; tal ónus foi assumido, desde a referida data,
coletivamente, como um dos custos associados à convergência dos regimes
previdenciais no âmbito do sistema público de segurança social. É por isso que,
em derrogação do princípio estabelecido no artigo 90.º, n.º 2, da Lei n.º
4/2007, 16 de janeiro (a Lei de Bases da Segurança Social) - concretizado no
Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro -, se prevê, relativamente ao regime
da Caixa, o cofinanciamento de prestações como as pensões de aposentação e de
sobrevivência mediante transferências do Orçamento do Estado (cfr. o artigo
22.º, n.º 3, da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro).
Com efeito, um sistema previdencial
fechado à inscrição de novos subscritores, a médio e longo prazo deixa de ser
um sistema autofinanciado e autossustentado. É que a relação entre o número de
subscritores e o número de beneficiários vai decrescendo à medida que aqueles
se aposentam, até se chegar à situação limite de inexistência de subscritores.
O decréscimo contínuo desta taxa de
dependência acaba por se traduzir no financiamento da Caixa por
transferências do Orçamento de Estado, com a consequente transformação do
regime contributivo num regime não contributivo. O horizonte para um sistema
destes nunca poderá ser a autossustentabilidade, precisamente porque há certeza
de que o sistema tem que ser financiado externamente. Neste sistema, fechado a
novos subscritores, a redução de pensões não é uma medida que por si só tenha
capacidade para salvaguardar a sustentabilidade do sistema. Com efeito, o
autofinanciamento da CGA já está comprometido com a insuficiência das
quotizações para pagar as pensões existentes no momento do seu pagamento e não
é a redução de pensões que o vai salvar. A redução de pensões não é uma medida
com virtualidade para garantir a sustentabilidade de um sistema que, por ser
fechado, é em si mesmo insustentável a médio e longo prazo. Com tal
característica, o sistema tem que recorrer necessariamente aos impostos ou a
formas de financiamento por capitalização, pois o recurso a técnicas de
repartição, em que as receitas atuais financiam as despesas com os atuais
pensionistas, já não pode garantir a sua sustentabilidade.
Em segundo lugar, e decisivamente, não podem sacrificar-se
exclusivamente os direitos dos pensionistas da CGA em função das invocadas
razões de consolidação orçamental, já que é legítimo que os pensionistas de
qualquer um desses dois regimes se considerem titulares de um direito à pensão
com igual consistência jurídica: do ponto de vista constitucional, os
pensionistas de um ou outro dos dois sistemas são tão-somente pensionistas do Estado, competindo a
este garantir o sistema para cujo financiamento aqueles contribuíram nos termos
legalmente exigidos; tanto mais que o sistema de segurança social garantido
pelo Estado deve ser um sistema unificado
(cfr. o artigo 63.º, n.º 2, da CRP). Isso mesmo foi assumido na exposição de
motivos quando se refere que os dois regimes previdenciais são «na sua essência, públicos, pois foram
instituídos, são geridos e garantidos financeiramente pelo Estado, enquadram-se
no 1.º pilar de proteção social, isto é, asseguram o grau de proteção com
prestações substitutivas de rendimentos do trabalho, e têm natureza legal, dado
que a sua configuração é moldada unilateral e imperativamente pelo legislador,
diversamente do que sucede nos regimes complementares e na poupança individual,
que têm fonte convencional ou contratual»
Deste modo, eventuais desigualdades ao nível da disciplina
legal dos dois regimes públicos vindas do passado e com reflexos financeiros no
presente não podem ser corrigidas apenas em função das dificuldades de um
desses regimes e com sacrifício exclusivo dos direitos constituídos dos
respetivos beneficiários.
Sendo necessário e o Tribunal não discute essa necessidade -
alargar o «ónus da insustentabilidade financeira do sistema» - sistema
entendido, neste contexto, como qualquer uma ou ambas as componentes do sistema
público de pensões que ao Estado cabe organizar e garantir de harmonia com a
Constituição e a Lei de Bases da Segurança Social - aos atuais beneficiários, procedendo a reduções e recálculos de pensões
já atribuídas, as soluções a equacionar não podem deixar de ser perspetivadas
em termos do sistema público globalmente considerado, exigindo respostas que
salvaguardem a justiça do mesmo sistema, tanto no plano intrageracional como no plano intergeracional.
Soluções sacrificiais motivadas por razões de
insustentabilidade financeira dirigidas apenas aos beneficiários de uma das
componentes do sistema, designadamente aquelas que são preconizadas no artigo
7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII, são, por isso, necessariamente assistémicas
ou avulsas e enfermam de um desvio funcional: visam fins evitar, com o
sacrifício exclusivo dos pensionistas da CGA, o aumento das transferências do
Orçamento do Estado que não se enquadram no desenho constitucional de um
sistema público de pensões unificado. O critério enformador de tais soluções
a «convergência», entendida como reposição de alguma igualdade, nomeadamente ao
nível da «taxa de substituição» é objetivamente contraditório com a
legitimidade e as boas razões da confiança anteriormente criada a tais
beneficiários no tocante à continuidade do valor das pensões que lhes foram
atribuídas.
40. Tanto mais que
não se afigura que as normas questionadas conduzam a uma efectiva e real
convergência: a redução em 10% das pensões atribuídas de acordo com o regime de
cálculo do Estatuto da Aposentação e o recálculo da primeira parcela da pensão
correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de agosto de 2005 através da
substituição da remuneração inicialmente considerada pela percentagem de 80%,
em relação às pensões fixadas com base na fórmula definida pela Lei n.º
60/2005, não configura uma estrita medida de convergência de pensões.
Até ao momento, a convergência de pensões em vista ao
estabelecimento de um regime unitário de segurança social foi essencialmente
instituída pelo Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de agosto, que determinou que a
pensão de aposentação dos subscritores da CGA inscritos a partir de 1 de
setembro de 1993 passasse a ser calculada nos termos das normas legais
aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da
segurança social e pela falada Lei n.º 60/2005, que, para além de ter
determinado a inscrição obrigatória no regime geral da segurança social do
pessoal com vínculo de relação de emprego público que tenha iniciado funções a
partir de 1 de janeiro de 2006 (artigo 1.º), pretendeu efetuar uma aproximação
gradual das condições de aposentação dos subscritores da CGA ao estabelecido no
regime geral (artigo 3.º) e passou a efetuar o cálculo da pensão de aposentação
para os subscritores inscritos até 31 de agosto de 1993 (que ainda se regiam
pelo Estatuto da Aposentação) com base na conjugação de duas parcelas em que se
considerava, de um lado, o regime do Estatuto da Aposentação em relação ao
tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, e, de outro, o regime
aplicável no âmbito do subsistema previdencial da segurança social
relativamente ao tempo de serviço posterior (artigo 5.º). Ainda nesse plano
releva a introdução, no cálculo da pensão de aposentação, do fator de
sustentabilidade correspondente ao ano de aposentação, através da nova redação
dada ao artigo 5.º da Lei n.º 60/2005 pela Lei n.º 52/2007, de 31 de
agosto.
E não pode deixar de reconhecer-se que qualquer desses
diplomas tem o efeito prático de aproximar o regime de proteção social da
função pública ao regime geral da segurança social, no que respeita às
condições de aposentação e ao cálculo das pensões, mesmo em relação àqueles
trabalhadores da Administração Pública que, tendo-se inscrito na CGA antes de
31 de agosto de 1993, ainda beneficiavam da aplicação do regime específico
previsto no Estatuto da Aposentação.
Ao contrário, a medida implementada pelo Decreto agora em
apreciação, seja através da redução da pensão, seja por efeito do recálculo de
uma parcela da pensão, apenas pretende efetuar uma equiparação nominal entre a parte da remuneração mensal relevante
para o cálculo da pensão de aposentação (nos casos que ainda se regem pelo
Estatuto da Aposentação e/ou pelo disposto no artigo 5.º da Lei n.º 60/2005) e
a taxa global de formação da pensão dos beneficiários da segurança social, que é
igual ao produto da taxa anual de formação da pensão (que varia entre 2% e
2,3%) pelo número de anos civis relevantes, no máximo de 40 anos (artigos, 30.º
e 31.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio).
Nada permite concluir, no entanto, que a equiparação da
percentagem da remuneração relevante para o cálculo da pensão contribua para
promover a igualação de pensões a atribuir a subscritores do regime de proteção
social da função pública e do subsistema previdencial da segurança social e
eliminar as disparidades entre os dois diferentes regimes de segurança social.
Desde logo, as pensões efetivamente atribuídas em cada um dos
casos não são objeto possível de comparação, porque historicamente sempre foram
aplicados aos dois regimes critérios diferenciados de cálculo das pensões que
ainda hoje persistem nos seus efeitos práticos.
No regime geral de segurança social, a primeira reforma de
grande amplitude que pretendeu reformular o método de cálculo das pensões foi
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro (ainda na vigência
da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 24/84, de
28 de agosto), que preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado em
consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos dos
últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprimisse de forma
mais ajustada o último período de atividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e
artigo 33.º, n.º 1).
O regime de determinação dos montantes das pensões, dentro do
quadro definido pelo Decreto-Lei n.º 329/93, só foi posto em causa pela Lei n.º
17/2000, de 8 de agosto, que, em termos inovadores, passou a ditar que «o
cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e progressivo, ter por
base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira
contributiva» (artigo 57.º, n.º 3). Esta disposição foi depois regulamentada
pelo Decreto-Lei 35/2002, que produzia efeitos desde 1 de janeiro de 2002 (artigo
23.º), que, «tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de direitos
em formação, nos termos, aliás, previstos nos artigos 59.º e 104.º da Lei n.º
17/2000», veio garantir aos beneficiários cuja carreira contributiva ficou
exposta a esta sucessão dos regimes jurídicos o montante de pensão que lhes
seja mais favorável.
E, desse modo, em relação aos beneficiários que se tivessem
inscrito até 31 de dezembro de 2001 e que tivessem completado o prazo de
garantia (5 anos para pensões de invalidez e 15 anos para pensões de velhice)
ou cuja pensão tenha início entre 1 de janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2016
e, portanto, em relação a beneficiários que já integravam o sistema à data em
que foi introduzida a alteração da fórmula de cálculo das pensões foi
atribuído o montante da pensão mais elevado que resultasse ou da aplicação das
regras de cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 329/93, ou da aplicação das
regras de cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 35/2002, ou da aplicação
proporcional das regras de cálculo de um e outro desses diplomas (artigos, 12.º
e 13.º).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, em
execução da Lei de Bases da Segurança Social de 2007 (Lei n.º 4/2007, de 16 de
janeiro), concretiza a aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo
das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de fevereiro,
através da eliminação da garantia da atribuição da pensão mais favorável, em
relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos sucessivos regimes de
cálculo, e por via da aplicação, em substituição, de uma fórmula proporcional
que permite entrar em linha de conta com as antigas e as novas regras de
cálculo e em que intervém um aumento progressivo do peso relativo da carreira
contributiva no apuramento do montante da pensão (artigo 33.º). Ao mesmo tempo
que introduz um mecanismo de limitação das pensões de montante elevado, tendo
em vista uma maior moralização do sistema, e que não é mais do que um fator de
correção da parcela de pensão que deva ser calculada ainda segundo as antigas
regras do Decreto-Lei n.º 329/93 (artigo 101.º).
Como é de concluir, a determinação do montante da pensão, no
regime geral de segurança social, através da remuneração de referência que
represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva em
consonância com o princípio da contributividade apenas se tornou
integralmente aplicável aos contribuintes inscritos a partir de 1 de janeiro de
2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem inscritos a
essa data, de modo a ressalvar direitos adquiridos e direitos em formação, o
legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis
de transição, que ainda se mantêm em vigor.
Não pode ignorar-se que o regime precedente (decorrente do
Decreto-Lei n.º 329/93), independentemente das situações de manipulação
deliberada do cálculo do montante da pensão, propiciava objetivamente a
obtenção de pensões mais elevadas através do aproveitamento, para efeito do
cálculo do montante da pensão, do período contributivo mais favorável da fase
final da atividade profissional, e permitia a uma categoria de contribuintes
obter pensões de valor elevado que não tinham correspondência com os
rendimentos médios declarados ao longo da carreira contributiva.
E isso era particularmente evidente em relação aos titulares
de órgãos das pessoas coletivas (cujo enquadramento no regime geral da
segurança social foi regulado pelo Decreto-Lei n.º 327/93, de 25 de setembro),
que estavam dispensados de contribuir para a segurança social em função das
remunerações efetivamente auferidas, podendo limitar-se a satisfazer a sua
obrigação contributiva tomando como base de incidência um limite mínimo
correspondente ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por
lei à generalidade dos trabalhadores (artigo 9.º, n.º 1) e poderiam proceder ao
pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações apenas na
fase final da sua atividade profissional (artigo 11.º).
Este desfasamento entre a carreira contributiva e o montante
da pensão, no âmbito do regime geral da segurança social, é especialmente
reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 35/2002, onde se afirma que a
«alteração legislativa assenta num pressuposto de justiça social e reflete uma
dupla preocupação: por um lado, pretende-se que a pensão reproduza com maior
fidelidade as remunerações percebidas ao longo de uma vida profissional e
intenta-se, por outro, também numa ótica de equilíbrio financeiro do sistema, a
eliminação das situações de manipulação estratégica do valor das pensões, ainda
permitida pelas regras de cálculo [...] vigentes e que favorecem sobretudo
aqueles que, podendo aceder ao conhecimento das regras de funcionamento do
sistema, as utilizam para revelar, fidedignamente, apenas os valores das
remunerações nos últimos 15 anos da sua carreira».
Foi, pois, o Decreto-Lei n.º 35/2002, cujo regime foi
aprofundado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, que intentou uma alteração
estruturante do regime geral de segurança social, com base em razões de justiça
social e de sustentabilidade financeira, visando assegurar que a pensão
reproduza com maior fidelidade as remunerações auferidas ao longo da vida
profissional (quanto à evolução legislativa do regime de cálculo das pensões de
reforma no regime geral da segurança social, o Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 188/2009) .
Em contraposição, no sistema da CGA, os subscritores teriam de
contribuir com uma quota, em determinada percentagem fixada legalmente, do
total da remuneração que competir ao cargo exercido (artigo 5.º do Estatuto da
Aposentação) e a pensão de aposentação tinha por base a remuneração mensal
relevante - deduzida da quota para efeitos de aposentação, a partir da
alteração introduzida pela Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro (artigo 53.º) -,
pelo que sempre operou, nesse domínio, uma tendencial correspectividade entre
as quotizações dos trabalhadores, com incidência sobre as remunerações
efetivamente auferidas, e o direito às prestações, em aplicação de um rigoroso
princípio de contributividade.
Neste contexto legislativo, a disparidade detetada
relativamente à taxa de formação da pensão entre o regime de proteção social da
função pública e o regime geral de segurança social, desligada de quaisquer
outros elementos do sistema e da diferenciação existente quanto às fórmulas de
cálculo das pensões, não é necessariamente demonstrativa de um benefício ou
vantagem patrimonial na determinação do montante da pensão dos subscritores da
CGA por comparação com os trabalhadores inseridos no regime geral da segurança
social com o mesmo número de anos civis de registo de remunerações (em idêntico
sentido, João Carlos Loureiro, Sobre a
(in)constitucionalidade do regime proposto para a redução dos montantes de
pensões de velhice da Caixa Geral de Aposentações, Coimbra, 2013,
disponível em http://apps.uc.pt/mypage/fd
loureiro (Escritos), em especial, a págs. 26 e ss.)
E nesse sentido, a igualação da taxa de formação da pensão,
considerada isoladamente, não pode ser vista como uma medida estrutural de
convergência de pensões nem tem qualquer efeito de reposição da justiça
intergeracional ou de equidade dentro do sistema público de segurança social. Representa
antes uma mera medida avulsa de redução de despesa, através da afetação dos
direitos constituídos dos pensionistas da CGA, destinada a minorar o
desequilíbrio orçamental do sistema de proteção social da função pública e que
é motivada, em última análise, pela própria opção legislativa de não admissão
de novos subscritores na CGA, com a consequente e inevitável impossibilidade de
autofinanciamento do sistema.
41. Para além
disso, a invocada «convergência» de pensões, entendida como um modo de
reposição de igualdade relativamente ao nível de pensões atribuídas no âmbito
do regime geral da segurança social, não deixando de revelar alguma
ambiguidade, não constitui um critério adequado para justificar a redução de
pensões, porquanto objetivamente vem desvalorizar ou mesmo negar a solidez
e as boas razões das expectativas de continuidade do valor das pensões pagas
aos beneficiários da CGA.
A existência num determinado momento histórico de regimes
jurídicos diversos quanto às condições e formas de cálculo da aposentação, por
certo que resultou do reconhecimento de que havia fundamento material bastante
que justificava a diferença. Não se pode considerar que o Estatuto da
Aposentação e a disciplina jurídica que o complementava era uma legislação
arbitrária, que não tinha sentido legítimo e fundamento sério e razoável. Os
funcionários e demais agentes da Administração Pública que se aposentaram ao
abrigo desse regime não podiam deixar de confiar que essas regras existiam para
os proteger na velhice e na invalidez e tinham por objectivo último a
concretização do direito fundamental à reforma (artigo 63.º, n.º 3, da CRP).
Se existia um regime diferenciado de cálculo da pensão,
nomeadamente quanto à taxa de substituição, isso é imputado exclusivamente ao
Estado, que sentiu a necessidade de assegurar de modo diverso a protecção na
velhice e invalidez dos trabalhadores da Administração Pública. Aqui, o
princípio da confiança torna-se particularmente relevante em conexão com a
autorresponsabilidade do Estado, pois o aumento da previsão de confiança só
pode ser imputado ao próprio comportamento do legislador. Os beneficiários
atuais do regime da Caixa cumpriram todas as obrigações legais que lhes foram
impostas em vista a poderem beneficiar da sua pensão; não podiam ter feito
outra opção, pelo que agora não poderão ser só eles a suportar a diferença a
pretexto da necessidade da reposição da igualdade.
Porém, é precisamente esse o resultado da aplicação de uma
medida de redução e recálculo das pensões já atribuídas no âmbito do regime da
Caixa. Mas, como referido, neste plano, a convergência não é invocável, uma vez
que foi o próprio legislador que disciplinou toda a formação do direito à
pensão dos atuais beneficiários do regime da Caixa. Por isso mesmo, a confiança
destes relativamente à continuidade e idoneidade desses critérios legais não
pode agora ser questionada pelo mesmo legislador, através de medidas
desenquadradas de uma reforma estrutural do sistema de segurança social.
42. Acontece ainda que a salvaguarda da justiça do sistema, tanto
no plano intrageracional como no plano intergeracional, exige que as soluções a
equacionar sejam perspetivadas em termos do sistema público global, e não apenas no âmbito de um dos seus
componentes. A circunstância da redução de pensões abranger apenas uma parte
dos beneficiários do sistema social convergente os inscritos antes de agosto
de 1993 isolada dos demais elementos que formam o sistema de segurança
social, acaba por ser uma solução inadequada e potencialmente injusta perante o
sistema.
Como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 63.º da CRP, o
direito à segurança social consubstancia-se na «garantia institucional» de um
sistema segurança social, «público», «unificado» e «obrigatório», em que «os
beneficiários não podem deixar de o integrar nem de fruir do sistema público,
não estando na sua disponibilidade fazerem opting
out» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 815), cabendo ao
Estado o papel de garante do sistema e da respetiva justiça e solvabilidade. O
sistema público de segurança social caracteriza-se, assim, à luz da
Constituição, como uma estrutura ordenada segundo um ponto de vista unitário, que
se reconduz a um conjunto de princípios fundamentais enunciados no capítulo I
da Lei de Bases.
Um dos princípios em que assenta o sistema de segurança
social, entendido como um todo em si significativo e de existência assegurada,
é o princípio da solidariedade ou
responsabilização colectiva (artigo 8.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
Embora com o concurso do Estado, a realização das suas finalidades é uma
responsabilidade coletiva das pessoas entre si. Daí que, como já foi referido,
seja natural que os pensionistas de qualquer um dos dois regimes acima
referidos se considerem titulares de um direito à pensão com igual consistência
jurídica: do ponto de vista constitucional, os pensionistas de um ou outro dos
dois sistemas são «pensionistas do Estado» enquanto garante do sistema para
cujo financiamento contribuíram nos termos legalmente exigidos e, bem assim, de
um sistema de segurança social público que deve ser unificado (cfr. artigo
63.º, n.º 2, da CRP).
A solidariedade sistémica, por definição, representa os
valores fundamentais da igualdade e justiça na construção do sistema de
segurança social. Mas da sua força reguladora não resulta que as eventuais
diferenças existentes no passado entre os regimes legais e que ao tempo eram
normais devam ser combatidas ou corrigidas apenas em função das
dificuldades de um desses regimes e com sacrifício exclusivo dos direitos já
consolidados dos respetivos beneficiários. A solução adequada ao sistema, que
se reconhece como justa, terá que ser referenciada à unidade do sistema e não apenas a uma das suas parcelas.
Na verdade, uma solução
«isolada» e em contradição com o princípio da responsabilidade coletiva pelo
sistema, não é uma solução adequada à unidade do sistema, nem é capaz de
assegurar, só por si, a necessária equidade. É que não se pode obter uma
solução globalmente justa através de um critério nominalmente igualitário, pois
as diferenças de regimes jurídicos existentes em determinado momento foram
ditadas pelas necessidades que, em face das circunstâncias existentes, o
legislador sentiu dever proteger.
A medida em causa
traduz-se numa medida avulsa, isolada, ad
hoc, que se concretiza numa simples ablação abrupta do montante das
pensões. Ela não se insere num contexto de reforma sistemática, não sendo
enquadrada em medidas estruturais que se preocupem em assegurar, de forma
transversal, o interesse da convergência a outros níveis. É uma medida que não
visa apreender o sistema de proteção social na sua globalidade, perspetivando-o
apenas de forma unilateral através da preocupação de corte imediato nas pensões
atribuídas pela CGA.
Assim, a adoção
da medida concreta não reveste um peso importante para efeitos da prossecução
dos interesses públicos da sustentabilidade, do equilíbrio intergeracional e da
convergência dos regimes de proteção social, já que esses interesses reclamam
por reformas sustentáveis e duradouras no tempo, e não por medidas abruptas e
parcelares, com efeitos também volatilizáveis. A prossecução destes interesses,
pelo seu caráter estrutural, exige pois medidas pensadas num contexto global
dos regimes de proteção social. Ora, as medidas legislativas que visem atingir
esses objetivos devem ser ponderadas e concebidas dentro do próprio sistema
como uma sua reforma estrutural, sob pena de não alcançarem os referidos
desideratos e traduzirem-se apenas em reduções
imediatas de despesa, que, face aos seus efeitos imediatos, pouco se
adequarão a produzir efeitos de base.
43. A natureza assistémica da medida
legislativa de redução do montante das pensões é ainda confirmada pela sua
natureza dúbia. Por um lado, a Exposição de Motivos justifica-a como sendo
uma medida que pretende contribuir para a reforma do sistema; por outro lado,
as normas questionadas auto-intitulam-se temporárias, e são acompanhadas
de medidas que, independentemente de serem ou não alcançáveis, visam a sua vigência
transitória.
A chamada «cláusula de
reversibilidade» enunciada nos n.ºs 6 e 7 do artigo 7.º Decreto n.º 187/XII
parece justificar-se no mesmo princípio em que assenta a justificação da medida
de redução de pensões. Nos termos dessas disposições, a cláusula é mobilizada
quando em dois anos consecutivos se verificar cumulativamente: (i) crescimento
nominal anual do PIB igual ou superior a 3%; (ii) saldo orçamental não inferior
a -0,5% do PIB. A lógica da medida parece ser o princípio da sustentabilidade
financeira do sistema previdencial público: a reversão da situação
económica-financeira que determina a redução da pensão, transformará os atuais
pensionistas em credores prioritários do sistema, compensando o sacrifício
entretanto sofrido.
Simplesmente, a reversão para a antiga taxa de substituição
está em contradição com o alegado caráter estrutural da medida: no caso de
eventual melhoria da situação económica, o Estado desconsidera inteiramente a
relevância dos interesses que afirmou com a medida de redução de pensões. Neste
sentido, a redução de pensões é uma medida
conjuntural para resolução de problemas imediatos de equilíbrio e
consolidação orçamental e não uma medida que vise a sustentabilidade financeira
da Caixa.
44. Uma outra
circunstância que afeta e limita desmesuradamente a medida de confiança que os
pensionistas têm na manutenção do montante da sua pensão mensal, quando
ponderada com os interesses visados pelas normas questionadas, respeita ao modo como se pretende aplicar a redução
de pensões.
O requerente argumenta que a transição
de regimes acelera e consuma com efeitos imediatos (designada na doutrina por one shot) a convergência entre os dois
sistemas, tendo como efeito um encurtamento
súbito da projeção futura da vertente temporal da segurança jurídica dos
pensionistas, o qual reclama um juízo de proporcionalidade que, à luz do
critério da necessidade, recaia «sobre a
exigência e a suficiência do direito que regule essa transição e sobre o nível
de onerosidade do sacrifício».
No seu entender, será necessário
verificar se a legitimidade constitucional da redução e recálculo das pensões
dos atuais beneficiários não exigirá uma «norma
de transição» que imponha a redução de pensões de forma suave e progressiva que confira aos pensionistas tempo e fatores circunstanciais que lhes permitam ajustar o plano das suas
vidas às novas imposições sacrificiais.
Nesta construção argumentativa, o
princípio da proteção da confiança projeta-se na exigência de disposições transitórias que
salvaguardem os direitos e expectativas jurídicas dos pensionistas da «brusca»
alteração do regime jurídico vigente quanto ao cálculo da pensão. Como refere
Gomes Canotilho «no plano do Direito Constitucional, o princípio da proteção da
confiança justificará que o Tribunal Constitucional controle a conformidade
constitucional de uma lei, analisando se era ou não necessária e indispensável
uma disciplina transitória, ou se esta regulou, de forma justa, adequada e proporcionada, os problemas resultantes
da conexão de efeitos jurídicos da lei nova a pressupostos posições,
relações, situações anteriores e subsistentes no momento da sua entrada em
vigor (cfr. Direito Constitucional cit,
pág. 263).
O que o requerente questiona é se a aplicação imediata das normas que impõem a redução e recálculo de
pensões constitui a «justa medida»
entre o sacrifício do direito a um determinado valor de pensão e a vantagem por
ela conseguida para os invocados interesses da sustentabilidade e da justiça
intergeracional.
É evidente que as normas questionadas introduzem uma súbita e inesperada diminuição do valor das pensões numa situação jurídica
que reclamava estabilidade. Mesmo que se admitisse que os interesses públicos
visados pelas normas questionadas a sustentabilidade financeira e o
equilíbrio intergeracional poderiam justificar a redução de pensões, nos
termos impostos pelas normas questionadas, então as expectativas na manutenção
daquela estabilidade imporiam que a transição fosse feita com moderação, para
que os pensionistas tivessem tempo de ajustar os seus projetos de vida às novas
regras. É que os destinatários dessas normas são titulares de direitos com
tutela reforçada, cujo âmbito não pode ser restringido sem lhes dar um tempo
adequado para ajustarem os planos das suas vidas a medidas com as quais
legitimamente não contavam.
Quer dizer: mesmo medidas susceptíveis de satisfazer
adequadamente os interesses públicos apontados exigiriam sempre, para uma justa conciliação com as expectativas
dos afectados, soluções gradualistas
que atenuam o impacto das medidas sacrificiais, pois a sua aplicação abrupta,
repentina e de forma inesperada, ultrapassa a medida de sacrifício que o valor
jurídico da confiança jurídica pode tolerar. Este aspecto é tanto mais de
relevar quanto no passado todas as reformas legislativas acolheram disposições
transitórias destinadas a consagrar os direitos em formação.
Nesta ponderação, não pode deixar de pesar a circunstância dos
fins a prosseguir nos termos expostos na exposição de motivos constituírem
interesses económicos de longo prazo que se confrontam com os interesses
imediatos legalmente protegidos dos pensionistas. É que, enquanto a ótica da
sustentabilidade financeira da segurança social é de médio e longo prazo, o
direito à pensão vence-se todos os meses. Daí que, a diferente dimensão
temporal do fim a atingir e do meio utilizado, exija, de per si, disposições transitórias que harmonizem em justa medida
o sacrifício imposto com a redução da pensão e o benefício por ela prosseguido.
No juízo de ponderação que é imposto pela proteção da
confiança, onde se confronta e valora a condição
de pensionista, em princípio, sem possibilidade ou impossibilidade de
regressar a uma vida ativa que permita recuperar o que lhe é retirado, com os
referidos interesses públicos, que podem ser satisfeitos no horizonte mais
alargado, a solução justa à luz do princípio da proporcionalidade imporia
também que a implementação da medida se fizesse de forma gradual e diferida
no tempo. Aplicá-la de uma só vez, seria ultrapassar, de forma excessiva, a
medida de sacrifício que a natureza do direito à pensão poderá admitir.
45. Por tudo o
exposto, é de concluir que a
violação das expectativas em causa especialmente relevantes, atento o facto
de assentarem em pensões já em pagamento, e atento ainda o universo de pessoas
abrangidas , só se justificaria eventualmente no contexto de uma reforma
estrutural que integrasse de forma abrangente a ponderação de vários fatores.
Só semelhante reforma poderia, eventualmente, justificar uma alteração nos
montantes das pensões a pagamento, por ser acompanhada por outras medidas que
procedessem a reequilíbrios noutros domínios. Uma medida que pudesse intervir
de forma a reduzir o montante de pensões a pagamento teria de ser uma medida
tal que encontrasse um forte apoio numa solução sistémica, estrutural,
destinada efetivamente a atingir os três desideratos acima explanados: sustentabilidade
do sistema público de pensões, igualdade proporcional, e solidariedade entre
gerações.
Com efeito, o questionamento dos direitos à pensão já
constituídos na ótica da sustentabilidade do sistema público de pensões no seu todo e da justiça intergeracional
não se opõe à redução das pensões. Tais interesses públicos poderão justificar
uma revisão dos valores de pensões já atribuídas, visto que se conexionam com a
alteração de circunstâncias demográficas, económicas e financeiras que
transcendem as diferenças de regime entre os dois sistemas públicos de pensões
existentes. Mas, também por isso, os critérios de revisão a observar terão de
efetivamente visar recolocar num plano de igualdade todos os beneficiários dos
dois sistemas, só desse modo se assegurando o respeito pela justiça
intrageracional. Nessas circunstâncias, será o sistema e seus valores,
designadamente a garantia da sua sustentabilidade e a sua equidade interna, a
conferir sentido aos sacrifícios impostos aos respetivos beneficiários, desse
modo justificando-os e legitimando-os à luz do princípio da tutela da
confiança.
Em suma: a redução e recálculo do montante das pensões dos
atuais beneficiários, com efeitos imediatos, é uma medida que afecta desproporcionadamente
o princípio constitucional da proteção da confiança ínsito no princípio do
Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da
República Portuguesa.
III. Decisão.
Atento o exposto, o Tribunal decide pronunciar-se pela
inconstitucionalidade das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do
Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII, com base na violação do
princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático
consagrado no artigo 2.º da CRP.
Lisboa, 19 de dezembro de 2013 Lino Rodrigues
Ribeiro Carlos Fernandes Cadilha Ana Guerra Martins Pedro Machete Maria
João Antunes Maria de Fátima Mata-Mouros (com declaração) José da Cunha
Barbosa Catarina Sarmento e Castro Maria José Rangel de Mesquita (com
declaração) João Cura Mariano Fernando Vaz Ventura Maria Lúcia Amaral -
Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votámos a inconstitucionalidade das normas contidas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII mas com alcance e fundamento diferente do adotado no Acórdão.
1.1 Não acompanhamos o Acórdão quanto ao alcance da pronúncia de inconstitucionalidade, desde logo porque divergimos da utilização, no caso, do princípio da tutela da confiança como parâmetro determinante de controlo, sem uma análise autónoma centrada no princípio da proporcionalidade.
As normas em causa alteram, por redução ou recálculo, pensões de aposentação, de reforma e de invalidez, bem como de sobrevivência, atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações, I.P., (CGA) fixando um limiar a partir do qual se prevê a sua aplicação: o valor mensal ilíquido superior a 600. É nosso entendimento que aquelas normas apenas são inconstitucionais na parte em que atingem valores que, num juízo de normalidade, são integralmente alocados para fazer face a despesas obrigatórias e imprescindíveis à satisfação das normais necessidades e compromissos do pensionista ultrapassando a medida razoável do sacrifício que pode ser exigido a estes cidadãos e atingindo excessivamente os mais desfavorecidos.
Atendendo aos seus efeitos sobre os pensionistas que auferem pensões menos elevadas, as normas em causa afiguram-se desproporcionadas (desrazoáveis), na sua dimensão subjetiva.
Nestes termos, sendo a fixação deste limiar desrazoável e tendo em conta a configuração global das normas que determina a sua aplicação em bloco a pensões atribuídas, a nossa pronúncia sobre a inconstitucionalidade não pode deixar de abranger a totalidade das normas em causa. Se as normas tivessem outra estrutura formal, o juízo poderia ser diferente.
1.2. Não acompanhamos também a fundamentação do Acórdão quanto à aplicação do princípio da tutela da confiança, especificamente no que respeita à identificação ali feita do interesse público invocado pelo legislador e à conclusão alcançada.
2. Num contexto de grave crise financeira assume particular acuidade a insustentabilidade do sistema público de pensões, de natureza contributiva, tendo em conta a insuficiência de meios financeiros necessários ao pagamento das atuais e futuras pensões, sendo já uma certeza que os futuros pensionistas não poderão auferir os valores processados nas atuais pensões. Neste contexto cabe ao Estado, em especial ao Estado-legislador, enquanto garante de um sistema de segurança social unificado, encontrar uma solução para o problema, que dependerá de uma opção sobre a distribuição de sacrifícios e benefícios que pertence primariamente ao legislador democraticamente legitimado.
Sendo assim, a questão essencial que se coloca ao juiz na apreciação da conformidade constitucional da solução normativa é a de saber se as implicações financeiras invocadas pelo legislador são suficientemente relevantes para justificar uma opção legislativa definidora de prioridades na distribuição dos recursos que, por serem escassos, pode afetar direitos individuais.
Na apreciação da conformidade constitucional de uma tal opção político-legislativa, cabe ao juiz, no respeito dos limites funcionais ditados pelo princípio da separação de poderes, analisar se a fundamentação seguida pelo legislador na definição de prioridades merece censura jurídico-constitucional.
3. Nesse âmbito, apesar de se perceber a convocação pelo Acórdão do princípio da tutela da confiança na medida em que este princípio encontra uma vocação natural em sede de alterações legislativas, em geral, e do regime jurídico aplicável a pensões, em particular, e que foi este um dos parâmetros invocados no pedido não se acompanha a ausência de valoração das normas em causa à luz de outros princípios constitucionais convocáveis, como o princípio da proporcionalidade. Este é um teste autónomo que deve ser aplicado autonomamente também no âmbito do direito da segurança social.
4. Em nosso entender as normas sindicadas são inconstitucionais na parte em que fixam o limiar inferior da aplicação das medidas de alteração das pensões abrangidas, por redução ou recálculo, no valor de 600.
No percurso que nos leva a esta conclusão, afiguram-se relevantes os seguintes aspetos.
4.1. Em termos gerais, a qualidade dos destinatários das medidas a qualidade de pensionista e titular do direito a uma pensão de aposentação, de reforma, de invalidez ou de sobrevivência, atribuída pela CGA.
4.1.1. No que respeita aos titulares do direito a uma pensão de aposentação ou de reforma e de invalidez releva, em geral, o facto de o rendimento de pensões constituir um rendimento substitutivo do rendimento do trabalho atribuído na eventualidade de velhice ou de invalidez.
Desde logo a qualidade de idoso que, em regra, coincide com a de aposentado ou reformado, bem como a de portador de invalidez, convocam uma especial necessidade de proteção quer por força da particular relevância constitucional conferida à proteção na velhice e das pessoas idosas reiterada em catálogos de direitos transnacionais e na incapacidade para o trabalho, quer pelas limitações e necessidades específicas inerentes a tais qualidades.
A Constituição da República Portuguesa (CRP), além de impor a proteção na velhice (cfr. artigo 63.º, n.º 3), confere, no seu artigo 72.º, particular relevância aos idosos que, naquela eventualidade, adquirem o direito prestacional à pensão, nos termos fixados por lei, e ao seu direito à segurança económica relevância hoje também expressa no artigo 25.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) na parte em que prevê o direito das pessoas idosas a uma «existência condigna e independente» (na terminologia da CDFUE). De igual modo a CRP confere relevância constitucional à proteção das pessoas na situação de falta de capacidade para o trabalho (cfr. artigo 63.º, n.º 3, da CRP) e, podendo haver coincidência de situações, também à proteção das pessoas portadoras de deficiência (cfr. artigo 71.º, n.º 1, da CRP), esta última reiterada em catálogos de direitos transnacionais (cfr. artigo 26.º da CDFUE).
Além disso, a qualidade de idoso e de portador de invalidez implica, em regra, limitações e necessidades específicas inerentes a tal qualidade.
Por um lado, em virtude dessa qualidade de idoso ou de portador de invalidez , a expectativa de retomar o exercício de uma atividade profissional passível de gerar rendimento a partir de outras fontes afigura-se reduzida ou inexistente quer por força das limitações, nomeadamente físicas inerentes à evolução da idade ou ao tipo de invalidez, quer por força das características do mercado de trabalho, público ou privado, que tenderá para a sua renovação em termos etários.
Por outro lado, a qualidade de idoso, tal como a de portador de invalidez, implicam limitações decorrentes da evolução da idade e do tipo de invalidez que determinou o direito à pensão. Ambas as situações - pela natureza das coisas ou em virtude da situação de invalidez tendem a implicar uma menor autonomia e uma maior dependência de terceiros no desempenho das rotinas diárias e na vivência em geral no segundo caso diretamente proporcionais ao tipo de invalidez verificado. E aquelas qualidades implicam também necessidades específicas, decorrentes em regra da evolução do estado geral, físico e psíquico, próprio da idade e do tipo de invalidez verificado e, ainda, em especial, de uma deterioração do estado de saúde própria da evolução etária, agravada muitas vezes por patologias várias, e das características próprias de cada situação de invalidez que se traduzem também numa maior dependência, muitas vezes total, de terceiros.
Tais limitações e necessidades específicas, por força da menor autonomia (ou sua ausência) e correlativa maior (ou mesmo total) dependência do auxílio de terceiros, corresponderão, em regra, a um conjunto de despesas para além das despesas inerentes às necessidades básicas de subsistência (alimentação ou habitação) acrescidas e constantes com impacto significativo no rendimento com origem na pensão entre as quais avultam as despesas com a saúde, a assistência médica e medicamentosa, o acompanhamento por terceiros e com os lares cujo custo médio, admite-se, será em regra superior ao valor das pensões menos elevadas. Tome-se por padrão, a título indicativo, o «valor de referência» (utente/mês), para efeitos de «comparticipação familiar em lar de idosos», estabelecido nos sucessivos Protocolos de Cooperação (disponíveis em http://novo.cnis.pt) celebrados entre o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (relativos a 2008, 2009 e 2010) bem como o «valor de referência» (utente/mês) para efeitos de «comparticipação familiar em estrutura residencial para pessoas idosas» estabelecido no Protocolo de Cooperação entre aquele Ministério e a União das Misericórdias Portuguesas, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a União das Mutualidades Portuguesas (2013-2014): 756,11 em 2008, 775,77 em 2009, 869,91 em 2010 (cláusulas 8.ª, n.º 4) e 938,43 em 2013 (cláusula 9.ª, n.º 4) valores de referência em muito (cerca de 26%, 29,2%, 44,9% e 56,4%, respetivamente) superiores ao limiar regra de aplicação das medidas de redução de pensões em causa.
4.1.2. No que respeita aos titulares do direito a uma pensão de sobrevivência releva, em geral, o facto de o rendimento de pensões constituir um rendimento parcialmente substitutivo do rendimento do trabalho, na eventualidade de morte do seu titular e subscritor, atribuído a elementos do respetivo agregado familiar (os herdeiros hábeis). Também em situações regra, a qualidade de herdeiro sobrevivo que determinou o recebimento da prestação social em causa (pensão de sobrevivência) convoca uma especial necessidade de proteção, por força da relevância constitucional conferida à proteção das pessoas no caso de viuvez e orfandade (cfr. artigo 63.º, n.º 3, da CRP). Acresce que a qualidade de (herdeiro hábil) sobrevivo pode convocar uma especial necessidade de proteção do agregado familiar do subscritor falecido, mormente nos casos em que o rendimento do trabalho deste constitua a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do agregado familiar e não existam, de imediato, alternativas que permitam aos beneficiários da pensão de sobrevivência colmatar a perda de rendimento decorrente da morte do subscritor em especial em razão da idade avançada do cônjuge sobrevivo e da idade escolar dos descendentes.
4.2. As medidas constantes das normas das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII, por operarem a redução ou recálculo, consoante o caso, das diversas pensões abrangidas, têm por efeito imediato a redução do montante da pensão já atribuída e, assim, a afetação do direito ao recebimento de uma pensão de reforma, aposentação, invalidez ou sobrevivência e a correlativa redução do rendimento auferido para fazer face ao conjunto de práticas vivenciais comuns e necessidades específicas de cada uma das categorias de pensionistas visados pelas medidas.
Ora, no que respeita ao universo dos pensionistas afetados pelas medidas constantes daquelas alíneas a) a d) que auferem pensões menos elevadas, as medidas em causa não podem deixar de gerar um impacto significativo sobre a capacidade financeira de o respetivo titular fazer face à subsistência, a práticas vivenciais compatíveis com uma «existência condigna e independente» (na terminologia da CDFUE), com uma vida autónoma pós-laboral, bem como a encargos e compromissos assumidos em razão das suas limitações e necessidades específicas.
Afigura-se razoável supor que o segmento de pensionistas cujas pensões, por serem menos elevadas, é afetado pelas medidas em causa não dispõe de rendimento disponível ou dispõe de um rendimento disponível muito diminuto capaz de absorver ou fazer face à diminuição de rendimento que as medidas necessariamente implicam, por todo ou o essencial do montante das pensões ser alocado à satisfação de necessidades básicas inerentes à existência e a compromissos básicos que concorram para essa existência, como o custo da habitação, da alimentação, dos transportes e, em particular, da saúde, incluindo as despesas com lares e porventura de outros custos derivados de outros direitos fundamentais e de necessidades específicas em razão da sua qualidade. Com efeito, e de acordo com os dados do Inquérito às Despesas das Famílias 2010/2011 elaborado pelo INE (disponível em http://www.ine.pt) a despesa total anual média de um agregado (sem crianças dependentes) composto por 1 adulto idoso cifra-se em 9.379 a que corresponde uma despesa média mensal de 781,58, em muito (cerca de 30%) superior ao limite regra de aplicação das medidas em causa e também superior ao valor mensal de referência para a determinação do mínimo de existência em termos de rendimento líquido de imposto previsto no artigo 70.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
A diminuição do rendimento disponível no que respeita aos titulares de pensões menos elevadas pode, pois, implicar a afetação das práticas vivenciais e dos compromissos assumidos que garantam a sua segurança económica e a sua existência com independência em razão das suas necessidades específicas. Além do mais, pode pôr em risco a sua autonomia financeira e, por essa via, a sua dignidade na medida em que a alteração da sua situação económica, por via da redução de uma pensão de valor menos elevado, determine a dependência, ou uma dependência acrescida, de terceiros e da componente assistencial do sistema de segurança social, bem como a diminuição da possibilidade de levar uma «existência condigna e independente» (na terminologia da CFDUE) que, indo além do limiar da mera subsistência, seja compatível com, e permita, um mínimo de satisfação de um conjunto de direitos inerentes à pessoa humana.
Ora, considerando a intensidade das consequências das medidas consagradas pelas normas sob apreciação na esfera pessoal dos pensionistas pelas mesmas afetados, inevitável será, portanto, concluir pela sua falta de razoabilidade, por excederem o que é tolerável no respeito da liberdade e autonomia individuais garantidas num Estado de Direito. Mesmo admitindo a relevância dos interesses invocados pelo legislador, globalmente considerados e a justificação por aquele apresentada de que a redução em 10% (ou o recálculo) do valor das pensões abrangidas corresponde à percentagem mínima da diferença entre o valor das pensões atribuídas pelo regime da segurança social face ao valor das pensões atribuídas pela CGA o que permitiria aceitar a proporcionalidade das medidas, num mero controlo objetivo de relação meio-fim , a convocação de uma dimensão aberta a razões atinentes à subjetividade dos visados conduz-nos necessariamente a um juízo de desproporção por excesso de sacrifício imposto aos pensionistas afetados. É excessivo pedir a quem aufere pensões de valores integralmente consumidos na satisfação das necessidades comuns a uma vivência normal, que contribua para o financiamento da sustentabilidade de uma das componentes do sistema público de pensões e, nessa medida, para o financiamento de pensões de outros.
4.3. Acresce referir que ainda que se possa admitir que o valor da percentagem, em absoluto, da redução do montante das pensões que as medidas preveem (10%, pelos motivos referidos) não se afigura muito elevado, quer os elementos de direito comparado apresentados pelo proponente das normas, quer a versão originária do Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica (datado de maio de 2011) no que respeita à redução de pensões, apontam para patamares de aplicação das medidas em causa superiores.
Com efeito, naquele Memorando, o n.º 1.11., ainda que no âmbito da Política Orçamental, previa uma medida de redução de pensões, mas apenas «acima de 1.500 euros» e nos moldes aplicáveis à redução das remunerações do setor público. Além disso, dos elementos de direito comparado apresentados pelo proponente da norma, com origem em documentos da União Europeia e do Governo da Irlanda, decorre que no caso da Grécia as medidas de redução de pensões mais exigentes (2013) deixam intocadas as pensões de valor inferior a 1000 /mês e, no caso da Irlanda, as medidas de redução de pensões pagas aos funcionários públicos apenas se aplicam a pensões mensais superiores a 1000.
E mesmo a consagração de medidas protetoras da idade (cfr. alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 7.º) por via da isenção da redução das pensões em causa atribuídas pela CGA de valor mensal ilíquido superior a 600 em razão de patamares mínimos crescentes em razão da idade dos beneficiários (75, 80, 85 e 90 anos) não se afiguram suficientes para inverter o juízo de excesso ou irrazoabilidade já que a idade mínima que determina a elevação do patamar regra de aplicação das medidas é significativamente elevada e, mesmo assim, os patamares de isenção menos elevados são em regra inferiores ou muito próximos daqueles patamares de aplicação das medidas, previstos no direito comparado.
4.4. Assim, as medidas em causa de redução ou recálculo de pensões atribuídas pela CGA, no que respeita ao segmento afetado pela definição de um limiar de aplicação que corresponde a um valor de pensão relativamente baixo ( 600) o segmento dos titulares de rendimentos de pensões menos elevados afigura-se representar, face aos fins de interesse público visados (e explicitados pelo proponente da norma quer na Exposição de Motivos da proposta quer nos vários documentos adicionais apresentados) a ponderar, e na sua dimensão subjetiva, um sacrifício, de intensidade significativamente acrescida, que ultrapassando os limites do princípio da proporcionalidade, se afigura excessivo (desrazoável) no quadro de um segmento de pensionistas afetados que, por ser mais carecido de proteção, convoca com maior acuidade o valor da solidariedade.
Pelo exposto, e atenta a dimensão subjetiva das medidas em causa no que respeita à intensidade do esforço, que excede a medida razoável do sacrifício, exigido aos pensionistas que auferem rendimentos de pensões menos elevados, mostra-se desrespeitado o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2.º da Constituição, pelo que nos pronunciámos no sentido da inconstitucionalidade das normas das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII.
Tendo em conta a configuração das normas sindicadas, este juízo de inconstitucionalidade, apesar de dirigido tão-só a parte dos respetivos conteúdos normativos, não pode, todavia, deixar de as comprometer na íntegra.
5. Importa todavia ponderar ainda se as normas respeitam outros limites impostos num Estado de Direito, em especial, por constituir o parâmetro de invalidade das normas de acordo com a fundamentação do Acórdão, o princípio da proteção da confiança.
5.1. Na nossa ponderação, no quadro do princípio da tutela da confiança, acompanhamos o Acórdão apenas quanto ao juízo da existência de uma expectativa legítima, e digna de especial tutela, por parte dos cidadãos, na continuidade de perceção de um determinado montante de pensão, no âmbito do direito à segurança social, com base em comportamentos encetados pelo Estado, tendo estes cidadãos feito planos de vida assentes nessa continuidade.
Reconhecido que estamos perante uma expectativa legítima, merecedora de tutela, a efetiva proteção dessa expectativa pelo princípio da tutela da confiança depende de um juízo de ponderação de interesses contrapostos. As expectativas dos particulares na continuidade do regime legal vigente devem ser ponderadas face às razões de interesse público que justificam a sua não continuidade.
5.2. De acordo com a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 171/XII, são os seguintes os fins das medidas legislativas previstas no Decreto n.º 187/XII:
(i) Contribuir para a sustentabilidade financeira do sistema previdencial público de pensões, aproximando o valor das prestações que assegura ao valor das contribuições que recebe.
(ii) Promover a justiça social, a equidade contributiva e a solidariedade intergeracional, através do aprofundamento da convergência do regime da CGA com o sistema previdencial do regime geral, aproximando as respetivas regras de formação das pensões e operando um reequilíbrio relativo entre o esforço contributivo exigido aos trabalhadores passados e atuais e os benefícios atribuídos aos pensionistas atuais e futuros.
(iii) Correlativamente, constituir também um contributo para o equilíbrio das contas públicas através da redução da despesa com pensões num quadro de consolidação orçamental sustentada e de compromissos assumidos no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, ainda em curso.
É nosso entendimento que nenhum destes fins pode ser visto como um objetivo isolado, independente dos demais, obedecendo a sua prossecução a um sentido global e de conjunto: garantir a capacidade de financiamento sustentado por parte do Estado do sistema público de pensões (abrangendo, ainda, a CGA), através da implementação de critérios de equidade na afetação e distribuição de recursos escassos. Esta meta global, além de revelar uma tendencial vocação estrutural, não pode deixar de ser considerada um interesse público relevante. Por seu lado, o modelo em concreto de configuração da concretização legal deste objetivo, no seio da reforma estrutural visada, constitui competência que se integra já na liberdade de conformação do legislador democrático.
5.3. No âmbito do presente processo de fiscalização, foram juntos aos autos diversos documentos alguns de natureza técnica, outros de natureza não técnica. São de atender os documentos que incluem análises de natureza técnica como, em especial: i) a Análise comparada da evolução dos regimes da CGA e SS ao longo do tempo [com a descrição de 35 grupos de regimes especiais da CGA e apresentação de 84 exemplos de aplicação das regras aos dois regimes (CGA e RGSS) onde se elencam os vários regimes de cálculo da pensão que vigoram na CGA e na SS desde 1973 evidenciando a disparidade das respetivas fórmulas de cálculo (pp. 29 e ss.) e se conclui, nomeadamente, que «as pensões atualmente em pagamento são as que traduzem as historicamente mais elevadas taxas de substituição quando quem as recebeu suportou as mais baixas taxas de quotização» (p. 50) a confirmar o «esforço contributivo desigual realizado no passado pelos atuais pensionistas e no presente pelos atuais subscritores» (p. 49)]; ii) o Relatório de Avaliação Atuarial do regime de pensões da Caixa Geral de Aposentações Formulação Atual e Impacto das Medidas Legislativas [em especial o seu n.º 5 Projeções sobre a sustentabilidade financeira da CGA, realizadas em três cenários (o cenário base ou do modelo atual; o cenário teórico de reabertura virtual retroativa do regime a novas inscrições desde 2006 e o cenário incorporando as medidas legislativas recentemente propostas e em avaliação), e respetivos anexos (n.º 6)]. Relevantes afiguram-se também os dados de direito comparado fornecidos, como a Análise comparativa das medidas dirigidas à Administração Pública na Grécia, Irlanda e Espanha ou o documento Pensions at a Glance 2013 OECD and G20 indicators, entre outros.
Apesar de nenhum destes elementos informativos ter sido sujeito a contraditório, nem por isso eles devem ser ignorados, em especial nos segmentos que traduzem estudos técnicos, levando, todavia, em consideração que as conclusões alcançadas, em especial no que respeita à avaliação atuarial, são função dos pressupostos definidos a priori. A posição constitucional do poder jurisdicional exige ao juiz um dever acrescido de ponderação quando sindica opções político-legislativas baseadas em conclusões tecnicamente fundadas. Esta ponderação é dificultada pela natureza urgente da fiscalização preventiva.
5.4. Antes do mais, cumpre precisar que, de acordo com o proponente das normas, as medidas legislativas em apreciação não visam a igualação entre as pensões atribuídas pela CGA e as atribuídas pelo regime geral, antes visam diminuir as diferenças identificadas entre os dois regimes.
A circunstância de a redução se dirigir apenas aos pensionistas da CGA tem como fundamento invocado pelo legislador, partindo da diversidade de regimes existentes, as conclusões, alcançadas com base em cálculos técnicos (a partir de 84 casos reais), cujos resultados demonstram, quando analisados numa perspetiva global (única aconselhável), que a disparidade do grau de benefícios entre o regime da CGA e o da SS a favor do primeiro, é real, tendo variado ao longo do tempo, situando-se quase sempre acima dos 10% (Análise Comparada da Evolução dos Regimes da CGA e SS ao longo do tempo, cit. acima, p. 43). Trata-se, portanto, tão-só de um contributo para aproximação das realidades, repercutindo o seu efeito na diminuição sustentada do défice do Orçamento de Estado.
Ora, na opção legislativa em análise, pretende-se atenuar o impacto dos tratamentos diferenciados passados (justificados com fundamento em escolhas legislativas legítimas ao tempo em que foram aprovadas) sobre as necessidades de financiamento do sistema público de pensões e o Orçamento de Estado, afetando exclusivamente os direitos dos beneficiários resultantes daquelas escolhas. A medida da diferença, enquanto globalmente considerada, não se afigura excessiva.
O critério dessa diferença indicado pelo legislador, mesmo que seja apenas o «possível», em especial, como este alega, por falta de elementos quanto ao histórico de registo de remunerações dos subscritores da CGA inscritos até 31 de agosto de 1993 relativos às pensões, não incide sobre os que não têm a sua pensão calculada de acordo com aquelas regras.
5.5. Além disto, contrariamente ao que decorre da fundamentação do Acórdão, entendemos que da leitura global e geral da exposição de motivos e do conjunto de documentos juntos, não se podem considerar as normas em causa como totalmente desenquadradas de uma reforma estrutural (ou, pelo menos, tendencialmente estrutural) enunciada ou desadequadas a prosseguir os interesses públicos de especial relevo enunciados, considerados no seu todo.
No juízo de ponderação que deve ser feito entre as expectativas legítimas dos particulares e o interesse público global invocado, assume particular importância a premência da adoção de medidas estruturais para viabilizar, a prazo, a sustentabilidade do sistema público de pensões no seu todo (onde ainda se integra a CGA).
Neste balanceamento, a importância relativa do bem comum (traduzido na garantia da sustentabilidade financeira do sistema público de pensões) prosseguido pelas medidas legislativas em análise faz prevalecer o interesse público mesmo sobre um investimento de confiança acrescido na manutenção do regime, como aquele que é ditado pela circunstância de se ser titular de direitos adquiridos (direitos já constituídos mas não vencidos). A compressão destes não se apresenta como excessiva (não esquecendo o nosso juízo de desproporcionalidade parcial das medidas, tendo em conta o seu limiar, cfr. n.º 4). Por um lado, tendo em conta que só vale para o futuro (ressalvando os efeitos já vencidos). Por outro lado, porque o sistema português de segurança social, em particular na sua componente contributiva e, mais especificamente, previdencial, é um sistema que repousa numa lógica de repartição e não numa racionalidade de capitalização individual, não existindo vinculação a um princípio contratualista. O valor da pensão não representa, assim, o retorno das contribuições pagas no passado.
A lógica ou a racionalidade sistémica é, portanto, de repartição e não de capitalização. Ora, o critério de repartição assenta num princípio de solidariedade, que convoca a responsabilidade coletiva na realização das finalidades do sistema. A contribuição do conjunto de pensionistas da CGA abrangidos pelas medidas para assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões ainda encontra, pois, justificação no princípio da solidariedade intra e intergeracional que também deve ser tido em conta neste âmbito. O sistema público de pensões assenta numa ideia de solidariedade e igualdade social. E esta solidariedade conforma a afetação dos recursos. Determinante afigura-se, o imperativo de garantir a sustentabilidade e solvabilidade do sistema de segurança social (relacionado com a capacidade do Estado o financiar, de forma sustentada) e que é condição da sua subsistência.
Quando a medida legislativa é ditada por razões fundamentadas de imperioso e premente interesse público, o interesse individual na manutenção do regime legal não pode deixar de ceder diante do interesse do Estado em alterá-lo. Neste caso, o legislador deve atuar, em nome da sua incumbência constitucional de garante da sustentabilidade do sistema (artigo 63.º, n.º 2 da Constituição), procurando uma distribuição equitativa dos recursos disponíveis.
Maria de Fátima Mata-Mouros
Maria José Rangel de Mesquita