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Acórdão 90/90

ACÓRDÃO  N.o  90/90[1]

 

 

 

Processo: n.º 90/89.

2ª Secção

Relator: Conselheiro Mário de Brito.

 

 

 

 

 

 

 

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

 

1 A. foi autuado por agentes da Secção de Gaia da 1.ª Companhia do Batalhão n.º 3 da Guarda Fiscal, por, no dia 4 de Junho de 1986, pelas 11 horas e 30 minutos, no salão de jogos anexo ao Café Brasão, sito na Rua , em Penafiel, ter «ligadas à corrente eléctrica e aptas a pleno funcionamento» cinco máquinas de jogos de diversão as identificadas no respectivo auto sem licença de exploração e sem que junto delas estivesse o quadro a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro ou sejam, as contra-ordenações previstas respectivamente nos artigos 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 2, desse diploma.

Em despacho do governador civil do distrito do Porto, de 25 de Agosto de 1986, depois de se dizer que ao arguido foi imputado o facto de «ter em exploração 5 máquinas de jogo sem registo, sem autorização de exploração e sem que tivesse afixado o quadro» e que «tais factos constituem contra-ordenação social prevista nos artigos 3.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro, punidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei com a coima de Esc. 150.000$00 a 250.000$00 por cada uma das cinco máquinas», foram aplicadas ao mesmo arguido cinco coimas de 150.000$00.

O arguido recorreu para os Juízos de Polícia da comarca do Porto e, por sentença do juiz do 2.º Juízo de 25 de Janeiro de 1989, acabou por ser dado como provado que as máquinas em questão não estavam registadas no governo civil do distrito do Porto, que elas se encontravam em exploração sem que o arguido dispusesse das correspondentes licenças de exploração (passadas pelo governo civil desse distrito) e que no local de exploração das máquinas não estava afixado um quadro donde constasse o seu número de registo, o nome do proprietário, o prazo limite de validade das licenças de exploração concedidas e a idade mínima exigida para a prática de jogos.

«Tais factos, em princípio diz-se na sentença , constituiriam contra-ordenação social prevista nos artigos 3.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro, e punidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do citado diploma legal com coima de 150.000$00 a 250.000$00, por cada máquina».

Simplesmente, julgou o juiz que este preceito o do artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 21/85 está ferido de inconstitucio­nalidade orgânica e material e, por isso, lançando mão do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quanto ao montante da coima a aplicar e, tendo ainda em vista o disposto nos  artigos 18.º e 19.º do mesmo diploma, aplicou ao arguido a coima de 200.000$00.

É dessa sentença que vem o presente recurso, interposto pelo Ministério Público, ao abrigo dos artigos 280.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

Neste Tribunal concluiu o magistrado do Ministério Público a sua alegação da seguinte forma:

 

       1.º O Governo, mesmo sem autorização da Assembleia da República, tem competência para definir contra-ordenações (quer ex novo, quer por transformação de anteriores contravenções não puníveis com penas restritivas da liberdade) e fixar os montantes mínimos e máximos das coimas aplicáveis, dentro dos limites estabelecidos no regime geral de punição do ilícito de mera ordena­ção social, constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro;

       2.º É, porém, inconstitucional a norma constante da alínea b), do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 21/85, na medida em que estabelece um montante máximo da coima aplicável a pessoas singulares (250.000$00) superior ao limite máximo (200.000$00) fixado no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82;

       3.º Termos em que se deve:

 

                a) julgar inconstitucional a aludida norma, no segmento assinalado; e, consequentemente,

                b) Confirmar, na parte impugnada, a sentença recorrida.

 

Cumpre decidir.

 

2 A questão posta resume-se a saber se é inconstitucional a norma do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro, diploma que estabelece o regime de licenciamento da explo­ração e registo de máquinas automáticas, mecânicas e eléctricas ou electrónicas de diversão, bem como o regime da respectiva exploração e prática de jogos fora dos casinos, e revogou o Decreto-Lei n.º 293/81, de 16 de Outubro.

Depois de declarar no n.º 1 do artigo 9.º, que «nenhuma máquina pode ser posta em exploração sem que disponha da correspondente licença de exploração passada pelo governador civil do distrito onde se encontra registada», dispõe o Decreto-Lei n.º 21/85, na norma em apreciação, que «as infracções ao presente diploma constituem contra-ordenação e serão punidas nos termos seguintes: [] b) Máquinas em exploração sem licença de exploração ou com licença de exploração caducada coima de 150.000$00 a 250.000$00 por cada máquina».

Sobre a questão da inconstitucionalidade escreveu-se na sentença  recorrida:

 

O recorrente nas suas doutas alegações e em conclusão invocou a inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 15.º, n.º 1, alí­nea b), do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro.

Assistir-lhe-á razão?  Cremos pela positiva.

Na verdade, não foi conferida ao Governo autorização legislativa para legislar sobre o regime geral da punição dos actos ilícitos de mera ordenação social.

Daí que, ao estatuir coimas superiores a 200 contos conforme artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, usurpou o Governo a competência legislativa da Assembleia da República.

Assim sendo, declara-se a inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro.

 

É, com efeito, da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo [Constituição, artigo 168.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte].

Mas, como se entendeu no Acórdão deste Tribunal n.º 56/84, de 12 de Junho (no Diário da República, I Série, de 9 de Agosto de 1984, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., p. 153), é da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo «definir, dentro dos limites do regime geral, contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade e contra-ordenações, alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição», bem como «desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo Decreto-Lei n.º 433/82».

Podia, pois, o Governo, em princípio, fixar uma coima para a explo­ração de máquinas automáticas, mecânicas e eléctricas ou electrónicas de diversão sem a correspondente licença.  Ponto é que respeitasse o regime geral de punição das contra-ordenações constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.  Como se diz no citado Acórdão n.º 56/84, «o Governo, ao estabelecer sanções e ao fixar coimas em casos particulares, deverá conformar-se com a moldura punitiva ali traçada».

Simplesmente, o artigo 17.º desse diploma, na sua redacção originária, que era a vigente à data do Decreto-Lei n.º 21/85 (hoje, essa redacção encontra-se alterada pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro), fixava como montante mínimo da coima o de 200$00 e como montante máximo o de 200.000$00, e os montantes mínimo e máximo fixados no artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 21/85 são, respectivamente, de 150.000$00 e 250.000$00.

Ora, se esta norma respeita o regime geral de punição constante daquele artigo 17.º na parte relativa ao montante mínimo da coima         200$00 é (muito) inferior a 150.000$00 , já o mesmo não acontece na parte relativa ao montante máximo, pois 250.000$00 é superior a 200.000$00.

O artigo 15.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 21/85 é, pois, inconstitucional, por violação do citado preceito constitucional, no que excede o montante de 200.000$00.

Nesta orientação se julgou, tendo em vista precisamente a norma aqui apreciada, nos Acórdãos n.os 156/89, de 26 de Janeiro, e 304/89, de 9 de Março (no Diário da República, II Série, de 22 de Março e 12 de Junho de 1989, respectivamente) e, a propósito de outras normas, no Acórdão n.º 221/89, de 22 de Fevereiro (no mesmo Diário, I Série, de 23 de Março de 1989).

 

3 Pelo  exposto,  julga-se  inconstitucional,  por  violação  do artigo 168.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro, na parte em que fixa em 250.000$00 o montante máximo da coima; e, consequentemente, nega-se provimento ao recurso.

 

Lisboa, 28 de Março de 1990.

Mário de Brito

Luís Nunes de Almeida

Messias Bento

José de Sousa e Brito

Fernando Alves Correia

Bravo Serra

José Manuel Cardoso da Costa.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1990.