TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019
144 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL voto de vencido (cfr. o respetivo ponto 9.2.) [30]. Aí, referindo-me especificamente à atividade de produção de informações, objetei à ideia, agora reafirmada pela maioria de rejeição do artigo 4.º da LM, de não existência de qualquer espaço de tangibilidade das autoridades públicas nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, no quadro do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, relativamente a um enquadramento funcional com a peculiaridade da atividade de produção de informações – cuja potencialidade agressiva dos valores nesse quadro tutelados é bastante atenuada relativamente à adjetivação penal –, quando essa atividade protagonizada pelos serviços de informações, se refere à proteção da segurança e à preservação da própria ordem constitucional [31], sendo tematicamente orientada para a deteção precoce, ou numa fase larvar, do tipo de fenómenos indicados no trecho final do artigo 4.º da LM: atos de espionagem e do terrorismo. A sugestão da estrutura verbal de uma regra, presente no n.º 4 do artigo 34.º, da CRP, cujo espaço de reali zação seria – só seria – o tudo ou nada da efetiva existência de um concreto processo criminal, priva o legislador – não se limitando a orientar fortemente a sua atuação – de considerar valores constitucionais conflituantes, mesmo que de primeiríssima grandeza [32], desconsiderando que referir matéria de processo criminal pode não representar exatamente o mesmo que processo criminal, tout court [veja-se o n.º 3 do artigo 252.º-A do Código de Processo Penal; a maioria consideraria este (ao prever uma intromissão sem processo) inconstitucional?]. Com efeito, considero que essa estrutura significativa não se adequa, salvo raras exceções, à projeção interpretativa de normas materialmente constitucionais. Estas, pela sua natureza identitária, expressa, desde logo, no caráter único da fonte pela qual se manifestam [33], postulam, na captação da mensagem (norma- tiva) que o texto incorporada, uma aproximação que seja sensível à ponderação de fatores que revelem o con- texto significativo da expressão verbal encontrada no momento constituinte, permitindo o seu (re)posiciona- mento no presente. É que (e cito de novo o meu voto de vencido de 2015), “[…] a letra da lei – de qualquer lei, obviamente também a lei constitucional, que é, paradigmaticamente, uma lei interpretativamente aberta – é o primeiro passo na complexa tarefa de a interpretar, mas não simultaneamente o derradeiro passo nesse sentido […], poderá então o seu sentido literal sofrer ajustamentos reclamados por outras considerações (sistemáticas, desde logo, sem perder de vista a concreta realidade social que reclama a aplicação da norma)”. 3.1.1. Assim, é na perspetivação histórica da restrição da ingerência das autoridades públicas nas teleco- municações – e nos demais meios de comunicação – aos “[…] casos previstos na lei em matéria de processo criminal”, no contexto do n.º 4 do artigo 34.º da CRP, que logramos alcançar o sentido atuante que, no presente, à distância de décadas, corresponde a essa limitação. Com efeito, importa ter presente que uma Constituição, “[…] reflete acontecimentos do passado, estabelece as fundações do presente, e dá forma ao futuro [sendo], ao mesmo tempo, filosofia, política, sociedade e direito” [34]. É esta peculiar natureza, sempre presente nas normas que a integram, que faz sobressair, no contexto inter- pretativo, o propósito ou a função visada com o texto, projetando essa intencionalidade, historicamente situada, no presente. A interpretação neste quadro abre, pois, “[…] espaço à adaptação das expressões legais [empregues] à modificação das circunstâncias e à emergência de novos desafios, desde que o objetivo e a função [daquelas] não seja alterado pelo aplicador: nem toda a mudança de sentido requer uma revisão constitucional” [35]. É relevante, contribuindo decisivamente para a compreensão da norma interpretanda, recordar o con- texto em que ocorreu a aprovação desta na Assembleia Constituinte. [31] Como se refere na declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral em 2015. [32] Como na nota anterior. [33] É com este sentido que Ahron Barak, fala em “ uniqueness of a Constitution ”, como objeto interpretativo ( Purposive Inter- pretation in Law , Princeton univessity Press, Princeton, Oxford, 2005, p. 370). [34] Ibidem , na mesma página. [35] Dieter Grimm, “Dignity in a Legal Context: Dignity as na Absolut Right”, in, Understanding Human Dignity (ed. Chris- topher McCrudden), Oxford University Press, Oxford, 2013, p. 384.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=